Benguela: Os ‘donos’ dos contratos públicos por ajuste directo

Obras públicas na província de Benguela, adjudicadas inicialmente por algunsgrupos empresariais são implementadas por outros

PR APROVA NEGÓCIOS ACIMA DE USD 1.700 MILHÕES

Serviço Nacional da Contratação Pública recorre a motivos de financiamento externo para justificar prevalência de uma fórmula (ajuste directo ou contratação simplificada) associada à corrupção e afronta à concorrência. Do império de Silvestre Tulumba Kaposse à posição da Omatapalo, passando pela Gemcorp de Arsénio Emanuel Moma Chicolomuenho, Benguela emite exemplos de incongruências nos contratos aprovados pelo Presidente João Lourenço.

JOÃO MARCOS, em Benguela

Obras públicas na província de Benguela, adjudicadas inicialmente por alguns grupos empresariais s ão implementadas por outros

Chegou à província de Benguela em 2024, quando o aperto financeiro baixava o ritmo das empreitadas, com o mais alto contrato por ajuste directo, relativo à circular rodoviária que deverá ligar os municípios do litoral, avaliada em 517 milhões de dólares norte-americanos.

À Mercons, empresa do Grupo Silvestre Tulumba, detida em 80 por cento pelo irmão Félix Ramalhete Tuihongo Kaposse, caberá executar uma obra inicialmente entregue ao consórcio do Programa Integrado de Infra-Estruturas, formado pela Omatapalo e pela ASGC.

O despacho presidencial esclarecia que o consórcio do Programa Integrado, no terreno há quatro anos, tem o domínio da realidade, mas a verdade, como avançou o NJ em primeira-mão, é que o cenário mudou.

Sem ter revelado motivos, o Ministério da Construção e Urbanismo confirmou a alteração, assinalando que a Mercons e a Afavias, detida pelos empresários Jorge Mestre, António Gomes, José Farinha, José Pereira e Carlos Araújo, ficaram com a rodovia.

Não é a primeira vez que o Presidente João Lourenço coloca em Diário da República, nos contratos simplificados, um empreiteiro que acaba substituído na ‘hora da verdade’.

Outro dado a reter em relação à modalidade de contratação pública mais usada com Lourenço na Presidência é que agora, contrariamente ao que se verificava no início, nem sempre é mencionado o nome da empresa beneficiária.

Num dos casos, curiosamente, está a mesma Mercons, na reabilitação da estrada Benguela/Huíla (EN-105), orçada em USD 339,7 milhões. O despacho presidencial que define os termos da intervenção em três municípios da província de Benguela e dois da Huíla, num total de 303 quilómetros, omite o empreiteiro.

Abordado pelo NJ, o director-geral adjunto do Serviço Nacional da Contratação Pública (SNCP), Aldmiro Matoso, explica que a omissão dá margem negocial, garantindo espaço para o surgimento de uma empresa melhor.

“Se se colocar [empresa] já … e depois a negociação não corre bem, corremos o risco de elaborar outro despacho”, argumenta o director-adjunto, assumindo que a contratação simplificada aumenta porque envolve muito financiamento externo.

“Aí, como sabem, este financiamento vem já com a empresa definida”, indica.

O gestor reconhece que os procedimentos abertos – concursos públicos – são o modelo ideal, mas assegura, em sentido contrário à visão de vários analistas, que os contratos simplificados são feitos à medida dos requisitos legais.

Aldmiro Matoso esteve recentemente em Benguela, província com mil 714 milhões de dólares em contratos por ajuste directo, a apresentar a Estratégia Nacional de Contratação Pública 2024/28.

Partindo do pressuposto de que a Lei dos Contratos Públicos tem na transparência, publicidade e concorrência os pilares para uma boa gestão dos recursos, o jurista Rui Verde destaca a necessidade de divulgação dos adjudicatários e dos termos contratuais.

“A análise de diversos despachos presidenciais revela práticas que contrariam estes princípios, sobretudo nos casos em que empresas pouco conhecidas, formalmente contratadas, são substituídas por entidades terceiras já conhecidas no circuito comercial”, aponta o especialista.

Rui Verde não tem dúvidas de que “tal pode configurar uma fraude à lei”, com contornos de corrupção, uma vez que são ocultados os “verdadeiros beneficiários”.

Lembrando que os ajustes directos são apenas para “situações excepcionais e devidamente fundamentados”, reforça que a concorrência determina como regra os concursos públicos e sustenta que a realidade em Angola favorece a concentração de oportunidades em poucos operadores.

Trapalhadas na construção de hospitais

A construção de um hospital materno-infantil na província de Benguela foi confiada, há três anos, ao Grupo OPAIA, cujas subsidiárias, em sectores como o das Águas, Energia, Importações e Exportações e da Logística, têm na estrutura accionista o empresário Agostinho Pinto João Kapaia.

Depois de um trabalho do

NJ relativo à inexistência de orçamento neste ajuste directo, as autoridades, coincidência ou não, alteraram a placa descritiva da obra. Não foi colocado o valor, mas houve alteração do empreiteiro, tendo surgido a Wedo, uma empresa que acabava de chegar ao mercado, com o objecto social nas áreas de consultoria e prestação de serviços.

A sua principal referência, sabe-se agora, será o facto de fazer parte do Grupo Omatapalo, que deu as ‘boas-vindas’ aos contratos simplificados com os 415 milhões de euros para as obras emergenciais inscritas do Programa Integrado de Infra-Estruturas Públicas.

A mesma Wedo está com a ACQUA, subsidiária do Grupo Gemcorp, no projecto de reabilitação e operação assistida do Sistema de Distribuição de Água, avaliado em USD 191,3 milhões.

Bem ao lado do espaço para a unidade materno-infantil, na Catumbela, estão as obras para o maior hospital do município, um ajuste directo avaliado em 50 milhões de euros.

Adjudicadas à Vamed, empresa austríaca que subcontratou a portuguesa Mota Engil e a angolana Afritectos, as obras estão paralisadas há mais de um ano devido a divergências financeiras entre o dono (Governo de Angola) e o empreiteiro.

Outro ajuste directo a ter em conta, mas ainda no papel, é o relativo à construção de equipamentos sociais para a província, no valor de 202 milhões de dólares norte-americanos. Foi assinado em 2024, logo a seguir à aprovação da circular rodoviária, tendo sido entregue ao “consórcio das obras emergenciais”.

O PR nunca revela, mas é ponto assente que se refere à Omatapalo e à ASGC, empresas que têm a companhia da Casais Angola. A fiscalização, em todas as obras, está a cargo da DAR.

No contacto com o NJ, o director-geral adjunto do SNCP explicou, igualmente, que a saída de cena de uma empresa citada num despacho presidencial, como os exemplos aqui apontados, está associada às subcontratações.

“Tem que ver com a componente tecnológica, nos lados da arquitectura e engenharia, mas uma subcontratação não deve estar acima dos 70 por cento do valor da obra”, argumentou Aldmiro Matoso.

Em reacção às omissões e substituições de empreiteiros, o economista Alexandre Solombe, titulado em Mercado Financeiro, afirma que o Presidente da República e o partido no poder estão condenados a uma “prática que alimenta a máquina monopolista”.

O analista considera estar em causa a sobrevivência política, realçando que os ajustes directos, com ou sem as nuances do início de mandato, representam uma decepção em relação às expectativas de combate à corrupção.

«Se se colocar [empresa] já … e depois a negociação não corre bem, corremos o risco de elaborar outro despacho»

Não é a primeira vez que o Presidente João Lourenço coloca em Diário da República, nos contratos simplificados

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