“É mais fácil importar do que exportar em Angola”

A jovem empresária fala também da enorme dificuldade que as pequenas e médias empresas têm em colocar os seus produtos na distribuição instalada em Angola, defendendo a existência de quotas nas prateleiras das lojas para a produção nacional.

Marlene José, fundadora e CEO da Food Care, teve uma maior exposição mediática porque foi a primeira a garantir uma exportação para os Estados Unidos, assumindo um protagonismo maior pela sua capacidade empreendedora, mas também pela sua idade. Sente-se um rosto do novo empresariado?

Não a 100%. Sinto-me um rosto do novo empresariado, mas, por causa do ambiente de negócios, a gente sente que não está a 100% das nossas capacidades. Este é o meu sentimento.

Sobre o ambiente de negócios: a que se refere, concretamente?

A tudo. Desde as instituições, a forma como as coisas funcionam em Angola. Vou lhe dar um exemplo. Nós somos uma indústria de processamento alimentar e nós exportamos. Eu vou lhe dizer que é mais fácil importar do que exportar em Angola.

Mas não é essa a ideia que os políticos apregoam e defendem, pelo contrário, afirmam que existem inúmeros apoios à exportação e que essa é uma aposta estratégica.

Não é a ideia que passa, mas é efectivamente desta forma que funciona. Se eu receber um pedido hoje e no dia seguinte não entrar com os pedidos de licenças, sou capaz de terminar a produção do contentor e não ter as licenças. São os problemas que nós enfrentamos todos os dias. Hoje, claro, já sou conhecida, já tenho como chegar aos decisores e ter os licenciamentos a funcionarem se passar o tempo normal, mas não é desta forma que vejo o País. Eu acho que quem está em Luanda ou quem está по Moxico deve ter o mesmo tratamento.

Está a dizer que é preciso ser conhecido para ser empresário no País?

É isso mesmo que estou a dizer. Enquanto não és conhecido, tu encontras muitas barreiras. Tens de conhecer quem toma as decisões dentro dos departamentos. De contrário, o teu processo fica arquivado, passa por 30 pessoas, e passa um mês, dois meses, para ter os licenciamentos para exportação. É extremamente dificil.

E importar, é mais fácil?

É mais fácil porque o País acostumou-se a isso. Eu noto que o governo está mais preocupado em fazer o trabalho de quem vai receber o produto do outro lado. Estamos a ver produtos que chegam a Angola sem qualidade nenhuma. Para exportar são tantos os passos… Também as condições sanitárias exigidas para exportar são muito maiores do que aquelas que são exigidas aos que vão importar. É o que eu noto.

Por que razão decidiu investir produtos processados de origem nacional?

Eu trabalhei durante 14 anos em várias indústrias em Angola e em 2019 decidi empreender. Eu gosto muito de frutos secos e o meu último emprego, num grupo grande no mercado, tinha a sede em frente a uma escola ali no Kikolo. Eu passava todos os dias pela rotunda que depois dava o desvio para o Kikolo. De um lado, via no lixo a fruta não processada ou os legumes que não foram vendido e, do outro lado, via os jovens às sete e meia da manhã com o The Best. Aquilo fazia-me imensa confusão.

Gosto muito de frutos secos, gosto muito de tomate seco, e foi daí que surgiu a ideia de processar os produtos.

E como escolheu os produtos e a estratégia?

Eu tive uma experiência internacional, estudei fora e sei das dificuldades em encontrar os nossos produtos lá fora. Ohei para o mercado da saudade como um potencial nicho e começamos a operar em Angola, em 2020, logo no início em Janeiro. Em Março, começou a Covid e nós só conseguimos licenciar as instalações para exportar em 2023. Ficámos três anos à espera.

Quando fala de mercado da saudade, a que países se refere?

Hoje estamos a exportar para o mercado europeu pelas portas de Portugal, depois Estados Unidos e Canadá. Agora também para a África do Sul e com planos de entrarmos na República Democrática do Congo, China e Emirados Árabes Unidos. Ficou conhecida exactamente por isso, por exportar para os Estados Unidos. Fizeram de si uma bandeira do empresariado nacional. Na verdade, exportei um contentor, mas parecia que mandei um navio. Mas foi apenas um contentor.

Foi ao abrigo do AGOA, um programa dos EUA para fomentar o comércio com África? Foi difícil?

Sim, foi ao abrigo do AGOA. Eu não digo que é difícil. Eu digo que os processos estão claros e, desde que consigamos segui-los todos, o produto entra. As pessoas perguntam: “mas como é que tu consegues?” O que se passa é que nós não estamos habituados às exigências, ao cumprimento das exigências sanitarias. À medida que vamos tendo formação, conhecimento e um empenho muito grande, conseguimos lá chegar.

Como é que constituíu a sua unidade industrial?

Nós começámos com congelados, com kizaca, muteta, tínhamos também a manteiga de amendoim e o tortulho seco. Foi assim que nós começámos, numa zona de 250 metros quadrados no Futungo. São instalações de um familiar, o meu pai, e quadrado começámos por vender em Luanda. A partir de 2022 fomos participar em feiras internacionais com o governo de Angola, com a USAID, agora extinta, fomos conhecendo o mercado e validando o negócio.

Expansão

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