A crise nas finanças públicas em Angola é o resultado de uma combinação de problemas estruturais históricos e desafios conjunturais agravados ao longo dos anos. Entre as principais causas, destacam-se a dependência excessiva do sector petrolífero, a má gestão económica e as fragilidades institucionais. Esses factores criaram um cenário de vulnerabilidade, que requer uma análise criteriosa para compreender os seus sinais e causas subjacentes. A sustentabilidade das finanças públicas — definida como a capacidade do governo de gerir as suas receitas e despesas de forma a garantir o cumprimento das obrigações financeiras actuais e futuras, sem comprometer o desenvolvimento socioeconómico — deve ser o objectivo central das reformas propostas.
1. Definição de Sustentabilidade das Finanças Públicas: A sustentabilidade das finanças públicas refere-se à capacidade de um governo de gerir os seus recursos financeiros de forma eficiente para garantir que as receitas são suficientes para cobrir as despesas, sem recorrer a níveis insustentáveis de endividamento que comprometam a estabilidade económica futura. Em Angola, essa meta tem sido desafiada por diversos factores estruturais e conjunturais.
2. Aumento da Dívida Pública e Sustentabilidade Fiscal: Angola apresenta um elevado nível de endividamento, que em grande parte está denominado em moeda estrangeira. Isso aumenta a exposição do país às flutuações cambiais, especialmente em momentos de desvalorização do Kwanza, como ocorreu em crises recentes. O endividamento foi impulsionado por décadas de empréstimos externos utilizados para financiar projectos de infraestrutura e cobrir déficits fiscais em momentos de baixa do preço do petróleo. Contudo, a ausência de diversificação económica reduziu a capacidade de geração de receitas estáveis para sustentar esse endividamento. Em muitos casos, os recursos financeiros foram alocados de forma ineficiente ou desviados por práticas de corrupção, comprometendo a sustentabilidade fiscal.
3. Déficits Orçamentais Elevados e Ineficiência nas Despesas: Os déficits orçamentais recorrentes são outro reflexo da crise financeira. Embora o governo dependa do petróleo para cerca de 90% das exportações e mais de 60% das receitas fiscais, a volatilidade do mercado internacional tem causado quedas abruptas na arrecadação. Apesar disso, as despesas públicas continuam altas, com uma estrutura orçamental voltada para a manutenção da máquina estatal, pagamento de dívidas e subsídios ineficazes, deixando pouco espaço para investimentos em sectores produtivos ou serviços sociais. A gestão ineficiente e a falta de transparência em muitos projectos governamentais pioram o cenário.
4. Atrasos nos Pagamentos e Pressão nos Serviços Públicos: Os atrasos no pagamento a fornecedores e servidores públicos têm sido uma constante, afectando o funcionamento de serviços essenciais, como saúde, educação e segurança pública. Os hospitais enfrentam falta de recursos básicos, as escolas sofrem com a insuficiência de materiais e infraestruturas, e a segurança é prejudicada pela insatisfação de profissionais mal remunerados. Isso contribui para o agravamento do descontentamento social e reduz a qualidade de vida da população.
5. Inflação Descontrolada e Desvalorização Cambial: A inflação elevada em Angola reflete a pressão sobre os preços causada pela desvalorização do Kwanza, pela dependência de importações e pela baixa produção interna. A perda de poder de compra afeta desproporcionalmente as famílias mais pobres, agravando as desigualdades sociais. A política cambial tem sido desafiada pela escassez de reservas internacionais e pela dificuldade em estabilizar o valor da moeda.
6. Dependência de Empréstimos Externos: A necessidade de financiar déficits e pagar dívidas acumuladas levou Angola a depender fortemente de instituições internacionais, como o FMI, e de credores bilaterais, como a China. Embora esses empréstimos tragam alívio financeiro no curto prazo, vêm acompanhados de condições rigorosas que restringem a capacidade do governo de investir em políticas de desenvolvimento. Além disso, a capacidade de pagamento é comprometida pela falta de diversificação das fontes de receita.
7. Perda de Confiança e Descontentamento Social: A perda de confiança dos mercados financeiros internacionais e dos investidores é uma consequência directa da instabilidade económica, da falta de reformas estruturais e da percepção de corrupção. Internamente, a população enfrenta altos níveis de desemprego, falta de oportunidades e dificuldades no acesso a serviços básicos. Esses favtores alimentam o descontentamento social e aumentam a pressão sobre o governo para implementar reformas.
8. Episódios que Evidenciam as Fragilidades do Sistema: A detenção de dois técnicos da Administração Geral Tributária (AGT), acusados de crimes como Associação Criminosa e Acesso Ilegítimo ao Sistema de Informação, demonstra as fragilidades institucionais que agravam a crise no sistema de finanças públicas de Angola. Este episódio evidencia a vulnerabilidade dos sistemas de arrecadação fiscal, que deveriam ser pilares de sustentabilidade económica, mas são prejudicados por práticas ilícitas e falta de controlo interno com eficácia que devia ser desenvolvido pela Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE). Pelo que, a infiltração de actores criminosos em órgãos estratégicos como a AGT compromete não apenas a eficiência da arrecadação tributária, mas também a confiança pública e a capacidade do Estado de gerir os recursos financeiros de forma transparente e sustentável, agravando os desafios económicos e sociais enfrentados pelo país.
9. Caminhos para Soluções: Para reverter esta situação, Angola precisa implementar medidas profundas e integradas, tais como:
Diversificação Económica: Reduzir a dependência do petróleo e incentivar sectores como agricultura, turismo, indústria e tecnologia.
Reforma Fiscal: Fortalecer a arrecadação tributária, combater a informalidade e ampliar a base de contribuintes.
Melhoria na Gestão da Dívida: Renegociar termos da dívida externa e priorizar investimentos que tragam retornos económicos e sociais.
Combate à Corrupção: Implementar mecanismos de transparência e responsabilização para garantir o uso eficiente dos recursos públicos.
Investimento em Capital Humano: Fortalecer os sistemas de educação e saúde para promover o desenvolvimento a longo prazo.
Estabilidade Cambial: Adoptar políticas que protejam o Kwanza e reduzam a dependência de importações.
Portanto, a recuperação das finanças públicas em Angola não é apenas uma necessidade económica, mas um imperativo social e político para garantir o bem-estar da população e a estabilidade do país. Este processo exige reformas estruturais profundas, acompanhadas de um compromisso inabalável com a transparência, a diversificação económica e a gestão eficiente dos recursos públicos.
Somente com uma liderança visionária e uma abordagem integrada, que priorize tanto o crescimento económico quanto a inclusão social, será possível superar as fragilidades actuais e construir uma base sólida para um futuro sustentável. Angola tem o potencial de transformar os seus desafios em oportunidades, mas isso requer vontade política, participação activa da sociedade e uma visão estratégica de longo prazo. Sem essas mudanças estruturais e a priorização de políticas inclusivas, o país continuará a enfrentar os mesmos ciclos de vulnerabilidade e crises que têm marcado a sua história recente.
Correio da Kianda