AEnergia Segue Impune e Ataca

O cidadão português Ricardo Filomeno Duarte Ventura Leitão Machado, patrão da AEnergia S.A., tem intentado, no exterior do país, várias acções que parecem temerárias e infundadas contra o Estado angolano, por se sentir lesado nos negócios com o governo.

Enquanto algumas dessas acções correm os seus trâmites nos Estados Unidos da América, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola “não tuge nem muge” sobre este cidadão que há muito deveria ter sido constituído arguido, por ter lesado Angola em centenas de milhões de dólares. Inexplicavelmente, talvez por algum complexo de inferioridade ou de cumplicidade das autoridades angolanas, é Ricardo Machado quem corre atrás de Angola com processos, numa performance inesgotável de autovitimização.

O Maka Angola traz agora a lume um detalhado relatório oficial e formal da Inspecção Geral da Administração do Estado de Angola (IGAE) que destapa um negócio multimilionário altamente suspeito, no valor total de 953,6 milhões de dólares, de intermediação da AEnergia na reparação de oficinas dos caminhos-de-ferro, venda e reparação de locomotivas. Em todo esse processo, encontra-se o saque de 222 milhões de dólares pela AEnergia, que continuou a beneficiar de adendas suplementares no governo de João Lourenço.

No Processo de Averiguações n.º 96/2019, a IGAE considera que houve pagamentos danosos à empresa AEnergia por parte do Estado, com a cumplicidade de vários ministros (Relatório n.º 293/GAB.IGAE/1.1. /19, com data de 25 de Outubro de 2019).

Em causa estão três contratos celebrados entre o Ministério dos Transportes e a empresa AEnergia. Trata-se de um primeiro contrato de prestação de serviços de reparação geral das oficinas ferroviárias, no valor de 500 milhões de dólares. O segundo contrato, de 429,5 milhões de dólares, refere-se à compra e venda de 100 locomotivas. O terceiro, para aquisição de material para reparação de oito locomotivas, no valor de 24,1 milhões de dólares.

Os dois primeiros contratos não foram objecto de qualquer negociação ou concurso público e foram redigidos pela empresa AEnergia, conforme investigação oficial.

A assinatura dos contratos foi rocambolesca. Por orientação do então ministro dos Transportes, Augusto Tomás, os contratos foram assinados fora das horas normais de expediente, na sede do Ministério dos Transportes, às 19 horas de 29 de Maio de 2015. Nessa mesma noite, o patrão da AEnergia, o cidadão português Ricardo Filomeno Duarte Leitão Machado, levou-os à casa do então ministro das Finanças e actual presidente do Fundo Soberano, Armando Manuel. Na mesma noite, o contrato foi levado ao patrão da AEnergia, o cidadão português Ricardo Filomeno Duarte Leitão Machado. Curiosamente, esta é a data em que José Eduardo dos Santos exarou os despachos presidenciais para a reparação das oficinas ferroviárias, aquisição e reparação de locomotivas.

A 29 de Novembro de 2019, o Maka Angola publicou uma extensa investigação sobre esse negócio da AEnergia, também conhecida pela sua offshore AEnergy S.A, e submeteu o caso à PGR. Passados seis anos, a PGR mantém-se muda e queda sobre o caso. Será porque envolve um cidadão português, com influência nos corredores políticos em Portugal (é cunhado do ministro da Presidência, António Leitão Amaro), e porque o esquema teve continuidade no governo de João Lourenço? Não sabemos.

Anteriormente, a República de Angola já tinha uma relação directa com a multinacional estado-unidense General Electric, a empresa que vende as locomotivas e presta os devidos serviços de manutenção. A 14 de Fevereiro de 2013, o Ministério dos Transportes e a General Electric (GE) assinaram um memorando de entendimento para a reparação das oito locomotivas e o fornecimento de novas locomotivas, cujo número de 100 foi determinado mais tarde e teve todo o processo liderado pela GE.

Logo, a intermediação da AEnergia era desnecessária, conforme atestaram vários dirigentes envolvidos no processo. Tratou-se de uma intermediação artificial que custou ao Estado pelo menos 63 milhões de dólares. As investigações oficiais dão conta de que a AEnergia  sobrefacturou, até Outubro de 2018, 800 mil dólares por cada locomotiva vendida ao Estado.

Além disso, as operações de pagamento de 15% (down payment) do contrato dos 500 milhões de dólares, no valor de 75 milhões de dólares, foram ilegais. O Tribunal de Contas havia recusado o visto a esse contrato (Resolução n.º 134/FP/16 de 23 de Novembro de 2016). O pagamento está confirmado e foi feito para a conta da AEnergia nos Emirados Árabes Unidos, no Banco NOOR.

Por sua vez, quer o Ministério das Finanças, quer o Ministério dos Transportes afirmaram não ter quaisquer registos de instruções para o pagamento dos 75 milhões de dólares, à revelia da reprovação do contrato pelo Tribunal de Contas.

A mesma empresa, aproveitando uma mora de pagamento de 36 milhões de dólares, por 21 locomotivas em falta, com um passe de magia transformou esse valor em 120 milhões de dólares e recebeu 84 milhões de dólares adicionais.

Contas feitas, aparentemente com simples assobios, a AEnergia terá saqueado 222 milhões de dólares dos cofres do Estado angolano.

O próprio presidente João Lourenço parece ter sido enganado pelos seus ministros dos Transportes e das Finanças, que o levaram a exarar o Despacho Presidencial de 19 de Outubro de 2019, em que aprovou a abertura de um crédito adicional suplementar de 20 mil milhões de kwanzas para legalizar as ilegalidades da AEnergia.

A IGAE considera que ou houve uma acção criminosa dolosa por parte dos ministros e ex-ministros — ou pelo menos negligência, também criminosa.

De acordo com a IGAE, os ministros envolvidos na contratação e nos pagamentos são variados, e a sua intervenção pode assumir graus de ilicitude diferente. Nos Transportes, Augusto Tomás e Ricardo Viegas d’Abreu; nas Finanças, Armando Manuel e Archer Mangueira. A IGAE pediu autorização ao presidente da República para ouvir os responsáveis, a qual foi concedida a 11 de Dezembro de 2019 por João Lourenço.

O actual ministro dos Transportes, Ricardo Viegas d’Abreu, endereçou ao Ministério das Finanças três pedidos para pagamento de 21 locomotivas no valor total de 164,2 milhões de Kwanzas.

Primeiro, a 23 de Julho de 2018 (N/Ref. 91/00.10/2018), Ricardo Viegas d’Abreu pressionou o então ministro das Finanças no sentido de este desbloquear 83 milhões de dólares em pagamentos à AEnergia, no âmbito da aquisição das 21 locomotivas em falta (das 100), para “evitar o risco de deitarmos por terra um programa que se inscreve como prioritário no quadro da modernização do transporte ferroviário”.

Segundo, o referido ministro escreveu novamente a Archer Mangueira, a 11 de Setembro de 2018 (173/00.10/2018), solicitando um crédito adicional suplementar de 36 milhões de dólares, para “pagamento antecipado das 21 locomotivas em falta no projecto”. João Lourenço aprovou o pedido com a emissão do Decreto Presidencial n.º 241/18 de 5 de Outubro.

Finalmente, a 27 de Maio de 2019, através do ofício n.º 244/03.03/2019, o ministro dos Transportes requereu um crédito adicional suplementar de 45 milhões de dólares para pagamento das mesmas 21 locomotivas. Os montantes em questão foram todos liquidados pelo Ministério das Finanças.

A mesma IGAE considera que Ricardo Machado e João Abrantes, tio de Tchizé dos Santos, são testas-de-ferro de Tchizé dos Santos, uma vez que Abrantes, tio, na altura presidia à administração da AEnergia. Considera que todos são comparticipantes nos crimes (Relatório da IGAE de 25 de Outubro de 2019).

Em contradição com a autorização que deu para a IGAE investigar o caso, João Lourenço não só mantém Ricardo d’Abreu no cargo, mas também o trata como um dos seus homens de maior confiança. A 13 de Dezembro de 2023, o mesmo João Lourenço acabou por nomear um dos suspeitos, Armando Manuel, para o cargo de presidente do Fundo Soberano.

Têm sido incontáveis os actos de auto-sabotagem do presidente da República, que contradiz as suas próprias decisões e faz total descaso dos processos judiciais em curso.

É o descalabro de um governo que diz combater a corrupção, enquanto sucumbe, com absoluta entrega e leviandade, ao seu poder e encanto.

Resta apenas uma pergunta. Porque é que o governo de João Lourenço continua a fingir que combate a corrupção enquanto desmantela todo o trabalho anticorrupção feito por instituições como a IGAE?

Qual é a serventia da PGR, que nem sequer consegue defender os interesses legítimos e legais do Estado angolano?

Ao não exercer de forma eficaz e imparcial as suas competências constitucionais, a Procuradoria-Geral da República de Angola torna-se num entrave ao avanço das medidas de combate à corrupção. A sua inércia selectiva, aliada à ausência de transparência e diligência nos processos que envolvem altos responsáveis públicos, compromete gravemente a confiança institucional e fragiliza o Estado de Direito.

https://www.makaangola.org/

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