CONTAS. Parlamentares confrontados com a denúncia confirmam os fatos e garantem que muitas das viagens não passam de “passeios”. Deputados recebem seguro de saúde, mas questionam escolha da seguradora. Fonte da secretaria da Assembleia Nacional considera, entretanto, as acusações como “falsas”.
Por César Meira.
As viagens ao exterior dos deputados têm alegadamente sido verdadeiras oportunidades para os representantes do povo encherem os bolsos com as ajudas de custo. Diversas fontes parlamentares asseguram ao Valor Econômico que a diária dessas viagens, em ajudas de custos, oscila entre os 1.300 e os 2 mil dólares.
Segundo as informações recolhidas, os deputados que viajam por seis dias recebem, regra geral, 8 mil dólares, o que corresponde a pouco mais de 1.300 dólares/dia. Mas, em rigor, são 1.600 dólares, visto que “nos seis dias estão também incluídos os dias de partida e de regresso”.
“Na prática, o deputado fica no país de visita quatro dias ou, se quisermos, cinco dias.” É muito dinheiro e, apesar de eu também já ter beneficiado, entendo que é uma situação que não deve continuar assim”, revela um deputado de uma das duas maiores bancadas parlamentares, acrescentando que não são apenas os deputados do MPL que beneficiam. “Os da oposição também, incluindo os da Unita”, precisa.
No entanto, apesar de a prática beneficiar os deputados das diversas bancadas, existem “os mais privilegiados”, sendo que o critério não é a cor partidária, mas antes a relação de amizade com quem decide as viagens.
“Há quem viaje quase todas as vezes em que há viagem para o grupo a que pertence.” Por exemplo, no grupo que trata do tema CPLP, há os que sempre estão lá. O mesmo acontece com os outros grupos”, esclarece.
VIAGENS SEM IMPACTO NA PRODUÇÃO…
Os deputados que falaram ao Valor Económico admitem que muitas das deslocações para mentores ao exterior acabam por ser “viagens turísticas”, apesar de serem consideradas viagens de serviço. “São verdadeiros seios.” Viaja-se muito a pretexto da troca de experiências, mas chega-se ao exterior, reúnem-se um dia, que é mais conversa, muitas das quais poderiam ser feitas com recursos às novas tecnologias, e os restantes dias são de verdadeiro turismo. Estas viagens são mais para benefícios financeiros, reforça um deputado da Unita, recorrendo à “fraca iniciativa legislativa” da Casa das Leis para sustentar a sua acusação. “Se estamos a ir trocar experiências, por que razão não produzimos mais?” Estas viagens deviam ter impacto na nossa produtividade, mas estamos, regra geral, dependentes das iniciativas do Executivo.” O deputado confessa ainda já ter se beneficiado das viagens, apesar de concordar que se trata de “brincar com o dinheiro do povo”.
Viagens internacionais versus viagens nacionais.
Se, por um lado, as viagens internacionais são um sonho de muitos deputados, tendo em conta os ganhos financeiros, as nacionais são evitadas devido ao valor baixo da ajuda de custo. São pouco mais de 33 mil kwanzas a diária, sendo que, no caso de viagens de carro, o combustível é da responsabilidade do deputado. “Por isso, realizam-se muito poucas comissões de trabalho da Assembleia Nacional nas províncias. Se se realizarem três ou quatro, por ano, é muito. Acontecem com mais regularidade viagens dos Grupos Parlamentares, mas comissões da Assembleia são raras, podem ficar atentos”, alerta outro deputado.
Fonte da secretária da Assembleia Nacional considera, entre tanto, “falsas” as acusações. “Há normas que estipulam os valores para deslocações em serviço, dentro e fora do país”, respondeu, sem, no entanto, precisar quanto os deputados recebem de fato em ajudas de custo para as viagens internacionais. Já em relação às viagens internas, a fonte da administração do parlamento admite que o valor está desajustado, mas garante que “nunca nenhum deputado ficou sem fazer uma missão por essa razão”.
SEGURO DE SAÚDE LEVANTA SUSPEITAS
Depois de vários anos sem seguro de saúde, os deputados foram, este ano, brindados com esse benefício como resultado de um contrato com a Viva Seguros. Entretanto, alguns deputados questionam a razão da decisão, “quando o modelo anterior sempre funcionou e, mais, muitos dos deputados nem gostam de fazer tratamento no país, preferem sair mesmo por meios próprios”. Os deputados questionam o processo para a escolha da seguradora, uma vez que “nenhum deputado ou funcionário da Assembleia Nacional” se apercebeu de qualquer concurso público para a seleção da seguradora. A fonte da secretária da AN garante, no entanto, que “houve concurso”, tendo sido tudo explicado. “O mundo moderno funciona assim”, insiste.
Até então, os deputados deslocavam-se às clínicas com guias da Assembleia Nacional. O mecanismo era considerado pouco viável, segundo a fonte da secretaria que vimos citando, justificando que “não fazia parte do escopo de negócios da Assembleia Nacional fazer gestão de saúde”. “Acredito que quem tem um seguro sabe melhor como funciona.” A gestão é ciência e quem não percebe isso fica levantando quesitos onde não existe”, reforçou. Em relação à despesa com seguro de saúde, aprovada pela Assembleia Nacional para este ano, houve um incremento de mais de 102.256% face a 2024, passando de 10 milhões para cerca de 10,236 mil milhões de kwanzas. O aumento foi justificado com a necessidade de limitar a despesa ao orçamento previsto como forma de evitar o endividamento público.
Valor Econômico