O Tribunal Provincial de Luanda condenou a cidadã Maria Augusto Ferreira pelo crime de falsificação de documento, nomeadamente de uma certidão de casamento, no âmbito de uma disputa de herança envolvendo o património do falecido empresário António Segunda Amões.
Desde Novembro de 2024, Maria Augusto encontra-se sob termo de identidade e residência, com obrigação de apresentação quinzenal, em virtude de outras irregularidades associadas ao mesmo processo.
Maria Augusto Ferreira é viúva de António Segunda Amões, com quem viveu durante mais de três décadas. O casal conheceu-se na ex-União Soviética, onde Amões estudava Geologia. Na época, Maria Augusto ainda era legalmente casada com outro cidadão angolano, com quem teve um filho falecido em Moscovo. Apesar de nunca ter oficializado o divórcio, regressou a Angola com Amões, com quem passou a viver maritalmente, apresentando-se mais tarde como sua esposa legítima.
Contudo, no decorrer de disputas sucessórias, veio a descobrir-se que a certidão de casamento apresentada por Maria Augusto, alegadamente emitida pela conservatória do Bairro Popular, era falsa.
SIC investigou falsificação documental
Em Abril de 2024, o Serviço de Investigação Criminal (SIC), através da Direcção de Combate ao Crime Organizado, deu início à investigação no âmbito do processo-crime n.º 905/024-05 – SIC/PGR-454/024-C, sob condução do investigador Walter Caloque. A 6.ª Conservatória do Registo Civil da Comarca de Luanda confirmou que o registo de casamento apresentado, datado de 1990, era inexistente nos seus arquivos.
Maria Augusto declarou, durante o processo, que teria sido o próprio António Segunda Amões quem lhe providenciou a certidão. Ainda assim, o tribunal considerou que, ao beneficiar-se do documento, incorreu em responsabilidade criminal.
Decisão transitada em julgado
A decisão foi proferida a 19 de Agosto de 2024, pelo juiz António Serilho Moisés, que determinou a nulidade legal da certidão. A própria arguida solicitou que o documento fosse desconsiderado, retirando-lhe assim qualquer valor probatório.
“Como a própria requerente desistiu do documento e reconheceu que este não deveria ser usado, todos os efeitos legais que dele poderiam advir foram anulados,” explicou o juiz citado no acórdão.
O documento constava do processo n.º 1623/2020-0 e integrava as páginas 75 a 77 dos autos. A requerida foi condenada ao pagamento das custas judiciais, fixadas em metade da taxa legal, conforme o artigo 37.º do Código das Custas Judiciais. O incidente de falsidade foi encerrado, sendo os autos remetidos ao Ministério Público para possíveis diligências complementares, nos termos do artigo 366.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Disputa pela liderança do Grupo ASAS
António Segunda Amões faleceu a 4 de Dezembro de 2020, aos 51 anos, em Joanesburgo, África do Sul. Após a sua morte, Maria Augusto assumiu-se como cabeça-de-casal e passou a gerir os bens ligados ao Grupo ASAS, empresa fundada pelo falecido.
Contudo, com a anulação da certidão de casamento, a sua legitimidade como cabeça-de-casal foi contestada por Nelay Katiavala Santos Amões, filho primogénito do empresário, nascido de uma relação anterior.
O testamento apresentado por Maria Augusto também foi alvo de investigação e considerado falso. No processo, foram ainda juntadas 45 actas de assembleias do Grupo ASAS, mas a sua validade foi posta em causa por estarem supostamente assinadas em três diferentes cartórios, na mesma hora e data — o que levantou suspeitas de falsificação pós-morte.
O caso originou o processo principal sob o número 1623/22-G, que corre os seus trâmites na Sala do Cível do Tribunal da Comarca de Luanda. No entanto, o processo encontra-se actualmente estagnado, com alegações de que os ficheiros desapareceram. Circulam suspeitas de que o procurador responsável terá sido subornado para inviabilizar o andamento do caso.
União de facto pode estar comprometida
Embora Maria Augusto pudesse, à luz da lei, solicitar o reconhecimento de união de facto, dado o tempo de convivência e os filhos em comum, essa possibilidade também está comprometida. A razão é que o seu bilhete de identidade apresenta o apelido “Amões” e um estado civil falso, obtido presumivelmente por meios fraudulentos.
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