Três anos após o encerramento do BMF e do Prestígio, a banca angolana perde agora o VTB África. Já tinha fechado o Banco Mais, Postal, BANC e Kwanza Invest, que viram as suas licenças retiradas pelo regulador. BPC e Banco Económico ‘gozam da misericórdia’ do banco central | P. 06
VTB ÁFRICA É O ÚLTIMO DA LISTA
Sistema financeiro angolano perdeu sete bancos nos últimos 10 anos
Três anos após o encerramento do BMF e do Prestígio, a banca angolana perde agora o VTB, que fecha as portas depois de 18 anos a operar em Angola e vai para galeria dos extintos onde também se encontram os bancos Mais, Postal, BANC e Kwanza Invest, que viram as suas licenças retiradas pelo regulador. BPC e Banco Económico ‘gozam de misericórdia’ do banco central.
A banca nacional voltou a assistir à queda de mais um banco comercial que operava no País, depois de os accionistas do banco VTB África decidirem fechar as portas em Angola, aumentando para sete os bancos que encerraram nos últimos 10 anos.
O banco de origem russa vai agora para galeria onde se já se encontram o BAI Micro Finanças (BMF) que pertencia ao BAI e o Banco Prestígio (BPG) de Tchizé dos Santos e Coréon Dú, encerrados em 2022, e aos bancos Kwanza Invest (BKI) do suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais e o banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) de Kundi Paihama, que fecharam as portas em 2021. Também fazem parte da galeria o Banco Postal (2019) e o BancoMais (2019), que viram ser-lhes retiradas as licenças por insuficiência de fundos próprios regulamentares e incumprimento dos mínimos de capital social.
Ao contrário do que aconteceu com outras instituições bancárias, o Banco de Poupança e Crédito (BPC) e o Banco Económico sobreviveram ao longo destes anos graças à tolerância regulatória do banco central, já que foram considerados ‘to big to fail’ (grande demais para cair, em português), ou seja, em caso de falência teria um efeito sistémico sobre o sistema financeiro e por isso tiveram ajuda do Estado para manter as suas actividades. É por isso que o BNA é muitas vezes acusado de ter actuado com dois pesos e duas medidas no seu papel de supervisor do sistema bancário.
Só para se ter noção, para salvar o BPC que encontrava em falência técnica foi criada em 2016 a Recredit, “banco mau” para gerir activos tóxicos da instituição bancária e um plano de reestruturação (PRR) que vigorou entre 2020 e 2023, que terá custado cerca de 1,5 biliões Kz aos contribuintes. Mesmo depois de capitalizado, no balanço de 2024, o BPC tem quase 1,2 biliões Kz negativos de outras reservas e resultados transitados, que, no fundo, é o acumulado dos prejuízos verificados nos anos anteriores, e só podem ser limpos com lucros.
Já o Económico parece ser o banco mais ‘acarinhado’ pelo BNA, uma vez que está há vários anos com problemas de liquidez, e está em falência técnica há seis anos, mesmo depois várias ‘injecções’ do Estado angolano e ainda não tem uma solução, ainda que o Expansão saiba que dentro do banco central estará a ser ‘cozinhado’ um modelo ‘banco bom’, ‘banco mau’, à semelhança do que se fez em Portugal no Banco Espírito Santo, que se transformou em Banco Novo. O BCI, enquanto banco público também teve problemas nos capitais próprios, por isso a solução foi vender ao Grupo Carrinho, por via de leilão em bolsa, e este, por sua vez, foi obrigado a fazer o ajuste de capital conforme normas do regulador e a ‘limpar’ do balanço resquícios do programa Angola Investe. O Grupo Carrinho Empreendimentos comprou a instituição por um valor total de 16,5 mil milhões Kz, o equivalente a 29 milhões USD.
Estes últimos 10 anos ficam também marcados pela fusão entre o Banco Millennium Angola e o Banco Privado Atlântico, que resultou na criação do Banco Millennium Atlântico (BMA) em 2016, bem como, mais recentemente, a entrada do banco nigeriano Access bank no sistema financeiro angolano ao comprar o Finibanco (em 2023) e posteriormente o Standard Chartered Bank Angola (em 2024), transformando-os em Access Angola.
O VTB, que é o último a fechar portas, afasta-se do sistema financeiro nacional com um activo avaliado em 137,0 mil milhões Kz, equivalente a insignificantes 1% dos activos totais da banca, quando comparado com os 23,6 biliões Kz contabilizados pelos 22 bancos em 2024. Parece muito face à realidade nacional, mas estes activos totais da banca angolana são muito pequenos se comparado com outras realidades. Por exemplo, o maior banco de Portugal, a Caixa Geral de Depósitos, accionista do Caixa Angola, tem um activo avaliado em 106,2 mil milhões de euros (cerca de 100,9 biliões Kz), o que significa que só este banco é quatro vezes superior à banca angolana.
Entretanto, o economista Heitor Carvalho entende que o facto de o sistema bancário ter pedido sete bancos nos últimos 10 anos, não é uma questão preocupante, uma vez que são pequenos bancos nascidos em determinadas circunstâncias muito particulares e que vão desaparecendo por razões essencialmente não económicas, embora tivessem um tratamento diferenciado do regulador em muitos casos.
Ainda assim, Heitor entende que o “ambiente de negócios do País também não é bom para a banca”, sobretudo se não tiver alguma solidez para fazer investimentos interessantes na dívida pública, o meio de sobrevivência da banca angolana. “O desafio da banca angolana é ser capaz de deixar de ser uma banca financiadora do Estado, reduzir a exposição à dívida pública angolana, passar a ser financiadora da economia e tornar-se também uma ajuda para essa fase pós-petróleo”, rematou.
A morte do VTB África
O VTB África foi encerrado por decisão dos accionistas (Banco VTB, PAO Moscovo que detém 50,1% das acções e António Carlos Sumbula com 49,9%) segundo avançou o governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Manuel Tiago Dias, em resposta ao
Expansão durante o Comité de política Monetária realizado na semana passada. “Por decisão dos accionistas reunidos em assembleia-geral de accionistas do banco, o VTB foi extinto e vai deixar de fazer parte dos bancos comerciais que operam na nossa praça”, garantiu o governador. Mas Tiago Dias já tinha ‘deixado a porta aberta’ para a saída do VTB África do sistema financeiro angolano, em Janeiro, ao afirmar que o banco de origem russa ainda não tinha feito [o aumento de capital] porque o que estava “em análise é a continuidade ou não da operação do VTB no mercado bancário angolano”.
Na base está o facto de o banco liderado por Igor Skvortsov (PCA) operar durante um ano e meio com um capital social avaliado em 7,5 mil milhões Kz, abaixo do mínimo de 15 mil milhões Kz exigido pelo banco central, já que os accionistas dos bancos comerciais em actividade estavam obrigados a ajustar o capital social regulamentar até 05 de Outubro de 2023.
Contudo, as sanções impostas à Rússia dificultaram as operações das instituições financeiras russas espalhadas pelo mundo, já que muitas delas não conseguem fazer transferências em dólares ou em euros, o que, por um lado, acabou por dificultar também as operações do VTB em Angola, que estavam muito ligadas ao negócio dos diamantes, e isso reflectiu-se nos resultados líquidos do banco que acumulou prejuízos de 9,7 mil milhões Kznos últimos três anos: 2022 (-6,5 mil milhões Kz), 2023 (-2,5 mil milhões Kz) e 2024 (- 670,3 milhões Kz).
Prestígio e BMF caíram em 2022
Ao banco Prestígio, liderado por Tito Mendonça (até então maior accionista e presidente do Conselho de Administração), foi lhe tirada a licença a 30 de Setembro de 2022, com o banco central a justificar a decisão com a “reiterada violação de requisitos prudenciais, nomeadamente, manutenção dos fundos próprios regulamentares e rácios de fundos próprios abaixo do mínimo legal, ineficácia na implementação das medidas de intervenção correctiva determinadas pelo BNA, a indisponibilidade accionista e a inexistência de soluções credíveis para a recapitalização do banco”.
Após a perda da licença, os accionistas do banco revelaram que a morte do Prestígio acabou por ser um efeito colateral do plano que Governo e BNA tinham para salvar o ex-BESA, limitando o acesso dos clientes às suas contas bancárias. Isto porque, garantiram, na altura, que apesar de várias tentativas não conseguiram aceder ao dinheiro que tinham depositado do Banco Económico, e que tinha como objectivo fazer o aumento de capital para os mínimos regulatórios exigidos pelo banco central.
Já no caso do BMF, o accionista maioritário (o Banco Angolano de Investimentos-BAI), pediu a dissolução voluntária e liquidação da instituição financeira, numa decisão tomada em Assembleia Geral realizada a 9 de Agosto de 2022, tornada pública pelo BNA que registou a deliberação. Mas o banco especializado em micro-crédito até esteve para ser vendido antes dessa solução final. Em 2021, o BAI tinha começado negociações com o banqueiro e empresário para vender 100% do capital social que detinha no BAI Micro Finanças. No dia 05 de Agosto 2021 as duas partes até tinham assinado um acordo de transmissão da referida participação social, com o acordo a ser anunciado em comunicado.
Entretanto, o BAI recuou na intenção de venda do BAI Micro Finanças e devolveu ao banqueiro António Mosquito o dinheiro que este tinha entregado ao banco em jeito de “entrada”, conforme revelou ao Expansão uma fonte ligada ao empresário.
O BMF iniciou a sua actividade no dia 20 de Agosto de 2004, com a designação de Novo Banco, tendo sido o primeiro banco especializado em microcrédito em Angola. Em 2009, passou a ter a designação de Banco BAI Micro Finanças por escritura notarial outorgada em 30 de Outubro de 2009. Até Dezembro de 2021, o banco tinha 216 funcionários, 21 balcões distribuídos a nível do território nacional e 158.865 contas abertas.
Em Janeiro de 2021 caiu o Kwanza Invest (BKI) que viu o BNA ‘caçar-lhe’ a licença por insuficiência de fundos próprios regulamentares, poucos dias depois de o BKI ter falhado novamente uma assembleia-geral para concretizar a dissolução da sociedade e nomear uma comissão liquidatária.
A dissolução do BKI estava prevista há vários meses, tendo sido convocadas três assembleias-gerais que não se concretizaram. O BKI estava ligado ao empresário Jean-Claude Bastos de Morais, presidente e fundador do grupo Quantum, que geria o Fundo Soberano de Angola, e que era sócio de José Filomeno dos Santos “Zenu”, filho do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.
Mão pesada do BNA começou em 2019
O ano de 2019 foi o período em que mais bancos fecharam as portas devido à mão pesada do regulador. Os primeiros a caírem foram os bancos Postal e o Mais, em Janeiro.
Com fundos próprios avaliados em 6.135 milhões Kz, o Postal não procedeu ao ajuste dos fundos próprios regulamentares a mínimos legalmente exigidos e nem apresentou à entidade reguladora dentro do prazo o plano de acção para alcançar a conformidade exigida pela legislação. Por isso foi penalizado com a aplicação de uma multa de 5 milhões Kz, depois de no dia 28 de Dezembro de 2018 o banco ter solicitado uma moratória para proceder ao aumento dos fundos próprios regulamentares no início de Janeiro, pedido esse rejeitado pelo banco central.
O banco Mais, com um capital social de 4.991 milhões Kz, também não procedeu ao ajuste do capital social mínimo legalmente exigido, tendo-lhe sido retirada a licença. O banco já tinha por iniciativa própria solicitado o aumento do seu capital ao BNA, no valor de 5 mil milhões Kz, cujo cumprimento não foi efectivado na totalidade. No último dia útil de 2018 o banco solicitou ao BNA uma moratória para proceder ao aumento de capital num prazo de 45 dias, tal como aconteceu com Postal, mas a solicitação foi indeferida pelo banco central, que revogou a licença bancária da instituição.
Um mês depois, em Fevereiro, caiu o Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC), que sobrevivia há alguns anos através de empréstimos do BNA, e foi a terceira instituição a perder a licença bancária em 2019 por incumprimento dos mínimos de capital social e dos fundos próprios regulamentares. O banco de Kundi Paihama encerrou actividade de forma compulsiva a 6 de Fevereiro de 2019.
No final de 2017, o banco estava em falência técnica, apresentando fundos próprios negativos de 5,8 mil milhões Kz, precisando naquela altura de uma injecção de 14,1 mil milhões em ‘dinheiro fresco’ para cumprir a legislação do banco central. Mais tarde apurou-se que o buraco no final de 2018 era maior e o banco necessitava de uma injecção de capital superior a 50 mil milhões Kz, sendo que 30 mil milhões para pagar empréstimos contraídos junto do BNA.
Período fica também marcado por fusões entre Millennium e Privado Atlântico, bem como o Finibanco e o SCBA
BPC e Económico sobreviveram ao longo destes anos graças à tolerância regulatória do banco central
Postal e Mais viram ser-lhes retiradas as licenças por insuficiência de fundos próprios regulamentares
O ex-BESA parece ser o banco mais ‘acarinhado’ pelo BNA, uma vez que está há vários anos com problemas
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