O General José Filomeno Peres Afonso (conhecido como “General Filó”), antigo quadro da Inteligência Militar angolana, será condecorado pelo Presidente João Lourenço com a Medalha da Defesa Nacional, 2.ª Classe, numa cerimónia prevista para o próximo dia 7 de outubro.
A cerimônia, que visa homenagear figuras das Forças Armadas Angolanas pelo seu “compromisso com a pátria”, reacende uma profunda controvérsia: O General Filó, embora tenha recentemente transitado para a reforma, foi identificado em tribunal como o mandante dos assassinatos dos ativistas Isaías Cassule e Alves Kamulingue em 2012, e nunca respondeu judicialmente pelas acusações.
A condecoração de um oficial ligado a alegados crimes levanta sérias questões sobre a política de combate à impunidade do atual governo e sobre a justiça no país.
As vítimas, que eram ex-militares desmobilizados, foram raptadas e mortas por agentes de segurança quando tentavam organizar um protesto para exigir o pagamento de salários e pensões em atraso. Cassule foi sequestrado e lançado a jacarés vivos, enquanto Kamulingue foi executado com um tiro na cabeça.
A participação do General José Filomeno Peres Afonso, à época Chefe da Direção Principal de Contra-Inteligência Militar (DPCIM), veio à tona durante o julgamento que condenou os executores do crime: O arguido Júnior Maurício “Cheu”, responsável do Gabinete Técnico do Comité Provincial do MPLA de Luanda e condenado pelo envolvimento no assassinato, citou o General Filó em tribunal como a pessoa que deu a ordem para “escorrer o ativista” Isaías Cassule. Este testemunho ligou diretamente o alto comando militar à autoria moral do crime.
Apesar de ter sido formalmente convocado como declarante/testemunha, o General Filó nunca compareceu em tribunal para prestar depoimento e responder às graves acusações. A sua ausência foi justificada oficialmente pelas Forças Armadas Angolanas (FAA) pela necessidade de realizar tratamento médico na África do Sul.
A sua impunidade durante o processo foi amplamente criticada e atribuída à proteção hierárquica e sistémica que vigorava na época. O General Filó era um quadro de extrema confiança da cúpula da segurança, sob a chefia direta do General António José Maria, então Chefe do Serviço de Inteligência Militar (SIM).
Embora não haja prova de uma ordem de proteção isolada, o facto de o General Filó, um oficial de alta patente no núcleo duro da inteligência, ter sido sucessivamente notificado e não ter sido forçado a comparecer ou constituído arguido demonstra a sua imunidade no sistema judicial da época. O poder político e militar, encabeçado por figuras como o General José Maria, impediu na prática que a investigação prosseguisse para lá dos executores diretos, protegendo a cadeia de comando.
A condecoração agora anunciada pelo Presidente João Lourenço sugere, para muitos críticos, que o Estado angolano não apenas falhou em responsabilizar a autoria moral dos assassinatos de Cassule e Kamulingue, mas também optou por honrar a figura mais proeminente envolvida nas acusações. O crime, considerado uma violação grave dos Direitos Humanos, permanece com os seus mandantes impunes, levantando um forte contraste entre a justiça prometida e o reconhecimento concedido.
A sociedade civil tem exigido a reabertura do processo, especialmente após petições lançadas em 2024 por juristas e ativistas. A responsabilização de Filó é vista como um passo essencial para a reconciliação nacional e para restaurar a confiança nas instituições.
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