POR RAMIRO ALEIXO
Faz cerca de um mês, que o Presidente da República, João Lourenço, iniciou um ciclo de visitas à várias infraestruturas em construção na cidade de Lu-anda e noutras províncias, como que para mostrar trabalho a quem “só sabe criticar”, como dizem. Iniciou a jornada no Centro de Convenções que está a ser edificado na Chicala, uma obra onde o próprio está envolvido em práticas que conformam falta de transparência na utilização de recursos públicos, e até presumíveis actos de corrupção e desvio de fundos envolvendo o empresário Sílvio Madaleno, proprietário da construtora.
A obra, teve um custo inicial de 100 milhões de USD, segundo fontes ligadas ao processo, já consumiu 300 milhões e até a sua conclusão poderá atingir os 700 milhões de USD.
A justificação para a construção desse empreendimento, é “dotar o país de um espaço concebido, de raiz, para acolher eventos de grande dimensão como conferências internacionais, reuniões empresariais, cimeiras, congressos, colóquios, entre outros”. Como se isso constituísse prioridade incontornável para a Nação debilitada com a falta de recursos, quando existem outros espaços para atender esse propó-sito, com a mesma dignidade, inclusive em unidades hoteleiras, que até se debatem com taxa de ocupação abaixo dos 50%, salvo o caso de duas ou três. Mas, o que é efectivo, é que em Luanda não faltam espaços.
A agenda do Presidente da República foi concluída, na semana que findou, com a inauguração, na cidade de Saurimo, Lunda Norte, do Campus Universitário e do Instituto Politécnico da Universidade Lueji A’Nkonde. Conforme o plasmado na página de Facebook da própria Presidência da República e que nos serve de referência, “a infraestrutura custou 47 milhões de dólares, disponibilizados pela empresa pú-blica SODIAM, no âmbito da sua política de responsabilidade social”. E, “vai minis-trar cursos ligados ao desenvolvimento tecnológico e inovação nas áreas de Ciên-cias, Tecnologia, Engenharia Ambiental e Matemática”.
O Chefe de Estado, refere a mesma comunicação da Presidência, percorreu demo-radamente as instalações do Campus e do Instituto Politécnico, em companhia dos integrantes da comitiva que o acompanhou nesta missão a Lunda Sul. Incluiu, o mi-nistro dos Recursos Naturais, Petróleo e Gás, Diamantino Azevedo, os ministros de tutela do Ensino Superior e da Educação, da Administração Pública, Trabalho e Se-gurança Social, os ministros de Estado José de Lima Massano, Adão de Almeida, Francisco Pereira Furtado, Maria do Carmo Bragança, para além de outros auxilia-res do Titular do Poder Executivo. Ou seja, figuras cuja competência e certamente comprometimento, não se põe qualquer dúvida. E do ponto de vista académico, pro-vavelmente, têm nível muito superior ao da entidade auxiliada.
FALTA SENTIDO DE ESTADO A QUEM DIRIGE A GOVERNAÇÃO
Porque se cometem então tantos erros na governação do país e sobretudo na gestão da coisa pública, quando o Presidente da República até se faz rodear de tanta competência e experiência?
A resposta pode residir, na falta de capacidade de aceitação do auxiliado das contribuições dos seus auxiliares, ou na forma capciosa como o Presidente da República fura a abordagem colegial dos assuntos da Nação para impor à sua megalomania, que ao contrário do que se argumenta, como no caso dos hospitais, não servem a população desfavorecida, nem a elite rica, pois continua a preferir tratar-se no estrangeiro ou em clínicas privadas ou comparticipadas com recursos de empresas públicas, na cidade de Luanda. E como se poderá entender em dois exemplos que abordamos como referências, há falta de visão e de estratégia de quem dirige a go-vernação, na forma como se devem utilizar os recursos públicos para gerar desen-volvimento abrangente e sustentável a curto, médio e longo prazo. Com algumas ex-cepções, reconhecemos.
Respondendo à pergunta de um jornalista, o Presidente da República disse em Sau-rimo, após a inauguração do Campus e do Instituto Politécnico, que “este projecto é um de muitos que temos em carteira e que vão surgir nos próximos dois, três anos”, como resultado de um “forte investimento na construção de novas instala-ções para o Ensino Superior, um pouco por todo o país”.
Para não cair no erro de não ser preciso, o Presidente da República preferiu “não citar as províncias, ou as cidades”, mas deixou claro, que será “um número consi-derável de novas instalações para o ensino superior, a exemplo do que vimos fa-zendo com o sector da Saúde”. Entendemos, disse ainda o Presidente da República, “olhar agora, com bastante atenção, para dar outra dignidade às insta-lações de ensino superior em todo o país”. Ou seja, decorridos 50 anos de Inde-pendência, e quando o Presidente já vai quase no fim do seu segundo mandato, 10
anos no todo, se decidiu por “olhar agora com bastante atenção” para o sector que deveria constituir prioridade permanente de uma governação se ela fosse inteli-gente, visionária, comprometida e preocupada com o presente e o futuro da sua po-pulação, particularmente da juventude.
Mas, essa deslocação do Presidente da República a Saurimo para inaugurar aquele Campus Universitário e o Instituto Politécnico, teve o condão da SODIMO demons-trar ao Titular do Poder Executivo, o que se pode fazer, de facto, com o dinheiro pú-blico quando ele é bem utilizado, para criar as bases que asseguram a sustentabili-dade do país. Custe 100 milhões de USD, 300 ou 700 milhões, a não ser para que o Presidente da República possa uma vez mais fazer o seu show para ‘inglês ver’, o Centro de Convenções da Chicala e os demais desperdícios financeiros que auto-riza em torno desse projecto, não tem como ser integrado no pacote das prioridades que o país tem já identificadas. Antes, pelo contrário, constituirá, sempre, um sorve-douro de avultados recursos, porque a sua manutenção, pelo facto de estar a ser construído ao lado do mar, transformar-se-á sempre num peso substantivo para o orçamento público. Ou mesmo para os eventuais aboletadores no quadro da sua posterior privatização ao abrigo de uma grande ‘maracutaia’, onde o Presidente da República e várias outras entidades próximas a si, são apontados como putativos be-neficiários, a julgar até pelo sigilo observado desde o início da sua construção até cerca de um mês, a ausência de informação técnica e financeira sobre o projecto, mas também pelo proteccionismo com que conta a partir da Presidência da Repú-blica. Uma atitude que fere a imagem da instituição Presidência da República, por envolver-se directamente num projecto imobiliário e que deveria merecer investigação de vários órgãos, porque nem há clareza bastante na forma como foram usur-pados terrenos, nem como serão comercializados os lotes após infra-estruturados e quem desempenhará a função de agente intermediário nas transacções.
Na esteira das nossas abordagens em torno da construção com fundos públicos desse tal Centro de Convenções da Chicala, e por falta de resposta às questões que colocamos quer ao director do Gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, quer ao ministro de Estado para a Coordenação Económica, José de Lima Massano, ao secretário de Imprensa do Presidente da República, Luís Fernando, ao próprio empreiteiro, Sílvio Madaleno, entre outras, com o apoio do exemplo dado pela SODIMO, podemos fazer algumas equações, como as seguintes:
a) Com 300 milhões de USD empatados nessa obra para o Presidente impressionar o mundo, poderiam ter sido construídos pelo menos mais 5 campus universitários e institutos politécnicos iguais. E como esse instituto tem uma capacidade para aten-der mais de 5.418 estudantes em três turnos, isso significa que, se construídos ainda que, com carácter regional, o país e o Sector da Educação e Ensino teriam condições para receber e formar cerca de 32.508 estudantes, ganharia mais 342 salas de aulas modernas e totalmente equipadas; 12 salas de aulas magnas, 6 salas de informática; 66 novos laboratórios para apoio aos diversos cursos, para além de gabinetes de trabalho, auditórios, bibliotecas e campos multiusos para a prática desportiva;
b) Com 700 milhões de USD, custo estimado da obra até a conclusão, então Angola teria o dobro desses campus e institutos politécnicos (10), cerca de 65.016 alunos e uma cobertura nacional.
Mas, a opção de prioridade do Presidente, vejam só, recaiu para a construção de um Centro de Convenções, investimento (despesa) sem retorno a curto, médio ou longo prazo mensurável pelo Estado (prejuízo), uma infraestrutura sujeita a desgaste permanente por acção da sua proximidade ao mar, que obrigará a disponibilização de mais recursos, tendo em conta que o maior utilizador desse mega complexo, será o próprio Governo, com as dificuldades que tem de tesouraria.
NO FOMENTO DA AGRO-INDÚSTRIA
Se investidos 300 milhões de USD no domínio da Agricultura ou da Agroindústria, outro sector importante e garante da autossuficiência e segurança alimentar, de acordo com consulta que efectuamos a dois influentes quadros do sector, o Governo poderia:
a) Subsidiar a compra de 600 mil toneladas de fertilizantes, que confeririam sustentabilidade à três campanhas agrícolas; aumentar a utilização de fertilizantes não só pelos detentores de fazendas, mas, principalmente, pelas famílias e, consequente-mente, melhorar os rendimentos médios a curto prazo na produção de milho, arroz, feijão e soja, e reduzir consideravelmente a pobreza das populações;
b) Financiar a compra de 120 mil toneladas de sementes de milho (OPV) para semear 4,8 milhões de hectares;
c) Transformar os Institutos de Investigação Agronómica e Veterinária de Angola (IIAA e o IIVA) em verdadeiros centros de pesquisa, com todos os meios necessá-rios, e contratar pesquisadores de renome mundial, para dar capacidade e compe-tências para que essas duas instituições funcionem como uma entidade semelhante a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária);
d) Incentivar e apoiar a produção de café, um produto que permite também assegurar a sustentabilidade económica e financeira das famílias no campo, e pode atrair milhares de jovens sem expectativa nem perspectiva para um negócio que pode pro-porcionar prosperidade e auto-estima.
Consideramos ser nisso que quem é Presidente da República de uma Nação tão necessitada de tantas coisas como Angola se deve focar, para a livrar da dependência do exterior e da sua principal fonte de cambiais, o petróleo, acelerando o cresci-mento do sector e maior contribuição do sector não-petrolífero.
O Presidente da República devia direccionar o foco do seu Governo, como priori-dade, para o que, efectivamente, pode contribuir rapidamente para alavancar a eco-nomia e agregar mais emprego, um projecto só possível de se tornar efectivo com políticas atractivas e inclusivas. Com permanente contacto e assistência aos agricul-tores, num modelo de extensão rural inovador, semelhante ao que hoje é promovido pela Carrinho Agri.
A questão crucial que deve presidir as decisões do Governo, ou melhor, do Presidente da República sendo o Chefe, é que a taxa de crescimento populacional é superior a do desenvolvimento económico, e que esse desnivelamento, por baixo, faz com que a taxa de desemprego tenha atingido a fasquia dos 50% da força útil da ju-ventude angolana, com tendência a subir, o que é grave. Uma das soluções, passa por dar suporte ao fomento da produção familiar, particularmente na agro-indústria, no fomento das pequenas, micro e médias empresas, na descentralização efectiva do poder e a sua distribuição também pela periferia. Caso contrário, teremos sem-pre uma juventude ociosa, desamparada, revoltada, facilmente influenciável para más práticas, como se usa dizer, e disposta a sair à rua para novas brigas, reivindi-cando direitos, que são sonegados, não porque faltam recursos, mas porque os que chegam são indevidamente utilizados, incluindo por uma instituição como a Presi-dência da República que deveria ser a garante da sua melhor distribuição.
O mercado até dispõe de oportunidades, mas o Governo tem funcionado como um travão, ou uma complicação, sobretudo à iniciativa privada. E, infelizmente, o Presidente João Lourenço, ao fim de quase dois mandatos, não conseguiu produzir re-formas profundas no funcionamento do Estado. Tem-se demonstrado um péssimo actor político e gestor dos recursos financeiros disponíveis. Eventualmente por in-fluência da sua vivência de infância, ou provável intenção de homenagear o seu pro-genitor, enfermeiro de profissão, ‘encasquetou’ que a solução para os problemas da população, ou a sua maior herança, passa primeiro pela construção de grandes hospitais e só depois, pela produção de comida, pelo saneamento e por outros itens que são factores primários para assegurar saúde e evitar que a população recorra tanto aos hospitais que não têm medicamentos. E ainda por cima, passa mais tempo a tentar agradar o mundo, ao invés do seu “patrão” que acarreta com a factura das dívidas que o Governo contrai, sem considerar que em dois tempos, o mundo se es-quecerá que algum dia foi Presidente deste belo país, que tem tudo para dar certo, mas anda atolado na lama, também pelo que de mau tem feito. Até porque a malária e a cólera, continuam a ser as principais causas do elevado número de óbitos e os hospitais de primeiro nível não são a solução.
Mas, como que alheio a tudo isso, ‘tranquilo da silva’, naquele seu estilo preguiçoso como que de dono do país, de quem manda e pode, uma vez mais galgou os de-graus das escadas do seu ‘Palácio Voador’ que também nos custou outros 300 mi-lhões de USD, acenou como que a dizer “virem-se” … e voou para o Japão.
Luxos a que não se deveria dar o Presidente de um país que tem cidadãos a comer do lixo e que vive de mão estendida pelo mundo a mendigar ‘financiamentos’ e empréstimos até a quem não tem tanto. E ninguém neste Governo se sente obrigado a prestar-nos os esclarecimentos solicitados sobre a construção do Centro de Convenções da Chicala e de outras obras. Provavelmente, porque os auxiliares não têm mesmo como dá-los. É um problema criado pelo Chefe Presidente da República, logo, ele que resolva. Mas, já não se entende o mesmo silêncio da parte dos deputados, porque apesar de proibidos de fiscalizar as acções do Executivo e do seu Chefe, como vimos ainda recentemente, ninguém os impede de falar, de questionar, de cobrar. Ainda que também só para ‘inglês ver’, porque o caso do Centro de Con-venções da Chicala tem todos os condimentos para uma abordagem em sede da AN e até, para levar ao Impeachment do Presidente, se o visado não fosse o dono da bola e do campo, se não mandasse nos árbitros e também no VAR.
Mas, enfim… ingrato destino o nosso, por nos dar, depois do que passamos, um Presidente que em matéria do que é básico sobre economia e gestão de finanças, percebe menos que uma quitandeira. Faz o país gastar mais do que arrecada, e ainda contrai divida para ajudar a realizar festas de que não se consegue identificar nem retirar efectivo proveito. Mais falácia do que resultados e é só vermos o volume de ofertas e a correspondência em acções concretas de investimento. Porque o Kwanza foi transformado numa moeda excessivamente depreciada, que reduziu ao mínimo a capacidade de consumo da população, tornando-a cada vez mais pobre e por arrasto, o tecido empresarial, parceiro na geração de emprego e de riqueza. E o comportamento do Presidente no dia-a-dia tem sido de quem não vê nem sente a frustração que tomou conta da Nação.
Também, pudera! Tem todas as despesas pagas pelo patrão…
kesongo