Higino Carneiro (HC), destacado membro do MPLA, escolheu o último 8 de Julho, data do terceiro aniversário da morte de José Eduardo dos Santos, para confirmar oficialmente a sua pré-candidatura à liderança do partido, noticiada semanas antes pelo Novo Jornal.
Fê-lo com coragem, desafiando o (ainda) irritado líder do partido, João Lourenço que dias antes, numa “sentada em família” na TPA, uma espécie de adaptação do programa televisivo “conversa em família” do ditador Marcelo Caetano, atacou HC e recusou dar-lhe a sua “bênção”.
Plural, inclusivo, diversidade, diálogo construtivo e democracia são as palavras-chaves da pré-candidatura, apresentada via online, através das redes sociais e que visa recuperar o passado de um partido que há muito se afastou do Povo.
O pré-candidato “identifica-se com a entrega” dos presidentes Agostinho Neto, “incansável lutador pela independência de Angola e fundador da Nação Angolana”, e de José Eduardo dos Santos, “arquitecto da paz, promotor da reconstrução, da reconciliação entre os angolanos e do desenvolvimento de Angola”.
Ao afrontar o presidente do partido maioritário e do País, Higino Carneiro, general de carreira na reserva e antigo negociador dos processos de paz de Angola, dá mostras de estar preparado para, possivelmente, ser excomungado pelo seu líder com o apoio cego das estruturas do partido. Mostra também que tomou as precauções necessárias para travar um eventual e rocambolesco processo judicial (lawfare), muito usado pelo seu partido para afastar fortes e incómodos adversários.
A ousadia de Higino Carneiro, по partido onde, diz, predomina a “cultura do silêncio, da bajulação e do «sim, Chefe>”, é sinal de segurança e de que possui trunfos suficientes para anular qualquer tentativa de travar o seu projecto e, consequentemente, a realização de um Congresso do MPLA.com múltiplos concorrentes à liderança, incluindo, certamente, o próprio presidente do partido ou alguém de sua escolha.
A acontecer, será a primeira vez na História do MPLA, partido que em Dezembro de 2026, durante o tal Congresso, comemorará 70 anos, 39 dos quais dirigidos por José Eduardo dos Santos, antecessor do actual incumbente.
No entanto, HC sabe que sem a criação de órgãos de gestão do processo eleitoral independentes e isentos e sem o fim da reiterada violação dos Estatutos do próprio partido, a multiplicidade de candidaturas pouco ou nada servirá para a democratização do MPLA.
De nada servirão candidaturas múltiplas, se o recandidato à sua própria sucessão, como é prática no MPLA, continuar a ser o presidente do Congresso e da sua Comissão Preparatória que inclui as sub-comissões de candidaturas e eleitoral, fazendo do presidente jogador e árbitro ao mesmo tempo.
Sem transparência e regras claras a favor da democracia interna, com a comunicação social capturada e a justiça manietada, pronta a, em caso de litígio pós-eleitoral, decidir a favor do status quo, o desafio de Higino Carneiro, em vez de contribuir para a democratização do MPLA e, consequentemente, de Angola, pode ajudar a cimentar a farsa democrática. Tendo em mente a “profecia” dos seus pais que, segundo conta, previram ou sonharam que o filho um dia será PR de Angola, HC, antigo ministro das Obras Públicas e governador de várias províncias, apresenta o manifesto da sua candidatura como passo indispensável para chegar à Presidência do País.
Para cumprir esse sonho, o general-candidato, que aprendeu “desde muito cedo” que a “confiança do povo não nos é dada como se de um direito herdado se tratasse” e quer acabar com a “cultura do silêncio”, tem de se posicionar em relação às aflições do Povo.
Dele esperava-se um pronunciamento sobre o desespero, causado pelo elevado custo de vida que levou milhares de angolanos à rua contra a miséria, opressão e repressão, como aconteceu em Luanda, quatro dias depois do anúncio da pré-candidatura.
Quando milhares de jovens se manifestam e são reprimidos à bala e gás lacrimogéneo, o pré-candidato, disposto a “ouvir e a trabalhar com a juventude”, que coloca ao centro das suas “prioridades”, não deve optar pela “cultura do silêncio” em relação ao assunto.
No País em que as zungueiras são o rosto da miséria e do descontentamento generalizado em relação às políticas do MPLA, ignorar a mulher, maioria da população, que continua a ser vítima de discriminação, num manifesto político para mudar o partido maioritário e o País, é olhar para Angola de forma enviesada e secundarizar o principal pilar da construção de Angola. Se HC sabe que a confiança do Povo se conquista “através do respeito, da humildade, do diálogo aberto e honesto, bem como de valores e princípios”, também deve saber que, para transformar um partido nepótico, focado nos privilégios da sua elite, numa organização preocupada em “resolver os problemas do Povo”, precisa de se colocar ao lado das causas das populações. “Tornar o MPLA mais plural, inclusivo e no fiel provedor das causas mais nobres a favor de cada angolano sem distinção”, implica estar ao lado daqueles que reclamam por mudança do actual modelo político e de desenvolvimento, empobrecedor da maioria.
Se a Educação, o maior falhanço do País nos últimos anos, está ausente das preocupações centrais manifestadas pelo pré-candidato, quais serão as “mais nobres causas a favor de todos os angolanos” que o preocupam? Como não fazer deste sector prioridade, no País onde a Educação se tornou instrumento de exclusão da maioria pobre e privilégio dos filhos da elite política que, desde tenra idade, têm acesso ao ensino de qualidade dentro ou fora do Angola, pago com recursos que deveriam servir para proporcionar ensino africano de qualidade para todos?
Como ignorar a educação, principal instrumento de combate à pobreza, desigualdades e criminalidade, no País que está em oitavo lugar no ranking africano de estados com mais crianças fora do sistema de ensino?
Sem denunciar a captura dos meios de comunicação social, sobretudo os de capitais públicos, que, seguindo o chefe do partido, censuram todos que pensam diferente do PR, inclusive o pré-candidato em causa, como acabar com a “cultura do silêncio, da bajulação e do «sim, Chefe>>>”?
O regresso à crítica e auto-crítica defendida por HC quer dizer liberdade de expressão e de opinião, dentro do partido e nos seus media, dando voz aos críticos do desastroso rumo do partido e do País, para que o “Estatuto, a Bandeira e o Hino do Partido” estejam, de facto, “acima de qualquer militante ou dirigente”.
Trazer de volta ao partido “todos aqueles” que, por diferentes motivos, se afastaram do convívio da “Grande Família” MPLA, implica ruptura com os métodos e práticas do ainda líder que coloca uns contra outros, jovens contra velhos, patrocinando marchas de jovens contra nacionalistas da Luta de Libertação Nacional.
Sem despartidarização do Estado, como vai o militante do MPLA “saber conviver na diversidade, respeitando as opiniões e as escolhas”, em “concorrência salutar para a vitalidade da democracia”?
Como pode fazer do MPLA partido de diálogo sem desmantelar o estado securitário a funcionar há décadas e que actua dentro e fora das fronteiras angolanas aterrorizando inclusive diaspóricos que não alinham com cartilha do chefe partidário?
No partido que ignora a História da sua Luta de Libertação Nacional, só possível graças a decisiva solidariedade de muitos, incluindo africanos como Argélia, Marrocos, Tunísia, Ghana, Guiné-Conackry, Mali, Congos, Tanzânia entre outros, como valorizar o passado?
Como mudar esse partido que, por falta de consciência histórica, lidera o projecto de desafricanização de Angola, convive alegremente com a afrofobia, consubstanciada, entre outros, por chamar Mamadou a todos os irmãos oeste africanos, equivaler imigrante ilegal a africano negro ou chamar langa ao congolês ou angolano de grupos bakongo com dificuldades em se exprimir em português?
O quase candidato diz que o MPLA não pode ser um partido estático, mas esquece-se de, com a mesma coragem do anúncio do manifesto, reconhecer que mais do que estático o seu partido regrediu muito e coartou liberdade e dignidade aos angolanos.
Novo Jornal