As associações de táxis, em Luanda, iniciaram hoje uma greve. Foi o primeiro de três dias de protesto contra o aumento do preço do gasóleo. Para além da paralisação parcial da capital, a greve foi acompanhada de incontáveis actos de vandalismo e agitação popular.
Cada vez mais, as medidas tomadas pelo presidente João Lourenço têm agravado a situação socioeconómica da maioria da população, sem apresentar políticas públicas que demonstrem mudanças para o bem comum. O contrário tem sido a norma.
É o caso do sector dos transportes. Para a mobilidade da maioria dos dez milhões de habitantes de Luanda, não há alternativas aos táxis privados (vulgo, candongueiros). O Governo de Lourenço já gastou cerca de 800 milhões de dólares em autocarros para melhorar o sistema de transportes públicos, mas os resultados foram negativos e tão-somente favoráveis à corrupção e à pilhagem legalizadas. A maioria dos 1500 autocarros adquiridos, num total de 742, foi distribuída entre operadoras privadas de indivíduos ligados ao poder, muitas das quais não os colocaram em circulação. Outras centenas foram distribuídas pelos ministérios e mantidas em reserva para as campanhas do MPLA.
Assim, com os táxis privados em greve, Luanda paralisa, porque não há um sistema de transportes públicos funcional.
Entre 2021 e o primeiro semestre de 2024, o subsídio aos combustíveis custou ao Estado cerca de 9,1 biliões de kwanzas, o que equivale a cerca de 15 mil milhões de dólares ao câmbio médio do período. Contudo, a retirada parcial destes subsídios não se traduziu em melhorias reais no transporte público ou no poder de compra da população. Em Luanda, cidadãos com salários mínimos não conseguem pagar os transportes. Alguns chegam a gastar até 44 mil kwanzas por mês apenas em deslocações, montante que representa mais de metade do salário mínimo oficial.
Vandalismo
Antónia Sebastião, residente no Bairro Golf II, conta como a área em que vive descendeu ao caos.
“Inicialmente ouvimos que haveria uma greve de táxis e depois manifestação. Mas, aqui, as pessoas bloquearam as estradas com queimas de pneus, vandalizaram carros na via pública, arrombaram lojas, armazéns e puseram-se a saquear. Há muitos tiroteios, há o registo de um jovem de 16 anos morto a tiro, não sabemos por quem. Está uma confusão muito grande”, descreve.
Nas redes sociais abundam imagens de vandalismo. Destaca-se a de um jovem ferido na boca por uma bala, no Bairro do Golf II, assim o vídeo de uma viatura que está a ser atacada por uma multidão, com o automobilista a acelerar, atropelando dois cidadãos dos atacantes. Este episódio, ocorrido no Bairro Nova Vida, foi presenciado de perto pelo bastonário da Ordem dos Advogados, José Luís Domingos, que também teve a sua viatura vandalizada pelo mesmo grupo quando se dirigia à sede da organização que dirige.
Rafael Inácio, presidente da Cooperativa de Táxis Comunitários de Angola, que controla quatro mil taxistas, manifesta a sua solidariedade para com os taxistas em greve e demarca-se dos actos de vandalismo.
“A Cooperativa não faz parte da greve, mas solidariza-se com a causa. Todavia, condenamos veementemente os actos de desordem, de anarquia e de aproveitamento político que estão a ser feitos”, afirma.
Este interlocutor refere que os taxistas têm “lutado de forma isolada, ordeira e pacífica, seguindo as normas legais para reivindincar os seus direitos”. “Mas, as pessoas estão a aproveitar-se dessa luta para assaltar supermercados, as cantinas dos oeste-africanos, vandalizar as viaturas. O que é que os supermercados têm a ver com a greve dos taxistas? É arrepiante. A situação está fora de controlo”, lamenta.
Como ilustração do descontrolo, Rafael Inácio explica que esteve retido no Bairro da Calemba II, durante a manhã e por mais de três horas, “porque os moradores locais bloquearam certas vias para impedir a circulação do trânsito”.
Apesar da crise interna, o presidente João Lourenço mantém uma agenda externa imparável de voltas ao mundo, utilizando aviões VIP cujo custo por hora pode ultrapassar os 74 mil dólares e sempre acompanhado de um séquito de mais de cem pessoas.
Essa dissonância entre os gastos de luxo do presidente e do seu Governo e a emergência interna agrava a frustração popular. A verdade é que a crise, marcada por inflação elevada e dificuldades no sector público, não leva o Governo angolano a cortar uma política de gastos excessivos, especialmente com deslocações presidenciais ao exterior. Esta discrepância entre a austeridade imposta à população e o luxo das despesas governamentais agrava a frustração popular e levanta sérias dúvidas sobre as prioridades do Estado angolano e a seriedade da sua agenda reformista. Só aperta o povo, nunca os dirigentes.
A greve dos táxis é o sintoma de uma política pública desconectada da realidade do povo. Enquanto Lourenço ignora a necessidade de uma rede de transportes públicos funcional e a austeridade penaliza os mais fragilizados, o Estado opera sob uma lógica de espectáculo: compra centenas de autocarros, destina a maioria a esquemas de corrupção e, ao mesmo tempo, reprime quem exige seriedade da sua parte.
A narrativa de progresso e mobilidade do Governo falha quando confrontada com a experiência quotidiana do cidadão – que caminha longas horas, espera e espera, paga muito e viaja pouco. A prioridade política parece estar na projecção internacional, e não na população.
Ao recusar o diálogo com a sociedade e ignorar a necessidade de uma escuta activa, João Lourenço contribuiu para o agravamento da insegurança pública e da desordem social. Ele é o responsável último pelo vandalismo. A ausência de canais eficazes de participação cidadã transformou o espaço público num terreno fértil para o crescimento da criminalidade, da delinquência juvenil e da violência urbana. Essa escolha política, marcada pela indiferença e pela centralização do poder, revela uma desconexão profunda entre os governantes e os governados.
A manutenção de uma governação opaca, sem prestação de contas, alimenta o sentimento de abandono e de revolta entre os cidadãos. Em vez de investir numa cultura de proximidade e transparência, o Estado optou por preservar privilégios e gastos supérfluos, como as viagens presidenciais dispendiosas, enquanto a população enfrenta dificuldades crescentes no acesso à segurança, saúde e educação.
Essa postura não é apenas um erro estratégico – é uma escolha cega que mina a confiança nas instituições e entrega as ruas à marginalidade. Num contexto de crise económica e social, o silêncio do poder é interpretado como desprezo, e a ausência de diálogo transforma-se em combustível para o descontentamento popular. Governar não é improvisar, Sr. João.
Maka Angola