A Gesterra, empresa pública que se dedica à gestão de terras aráveis e se encontra em falência técnica, pelo menos há três anos, está em processo de transformação para assumir a mecanização agrícola, especialistas criticam a medida e defendem apoios directos aos produtores, sobretudo os familiares.
A Gesterra, empresa pública que tem a responsabilidade de gerir terras aráveis de projectos agrícolas promovidos pelo Governo, está a ser transformada em empresa de mecanização agrícola, tarefa que já foi desempenhada pela extinta Empresa Nacional de Mecanização Agricola (MEČANAGRO). A informação a que o Expansão teve acesso consta na proposta de Orçamento Geral do Estado de 2026.
Em 2018, por Decreto Presidencial n°256/18 de 13 de Novembro, João Lourenço ditou a extinção da MECANAGRO, com a justificação da “necessidade de se reduzir os encargos do Estado na economia, centrando a sua intervenção em sectores que são estratégicos para o desenvolvimento do tecido empresarial público e para a satisfação das necessidades elementares das populações”.
Mas sete anos depois, a Gesterra prepara-se para deixar meramente a gestão de terras para assumir a mecanização agrícola, que segundo especialistas não é o ideal, por não ser um apoio directo ao agricultor, para a agricultura familiar, que tem tido dificuldades na preparação da terra.
Em 2022 e 2023 esta empresa pública estava em falência técnica, com um capital próprio negativo, acumulado, de 420 milhões Kz e resultado líquido negativo de 339,3 milhões Kz. Este ano, a empresa não apresentou o relatório e contas do ano passado ao Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE).
O processo de transformação da Gesterra começou no ano passado e estava já previsto no OGE 2025, mas como não fica concluído este ano, transita para o próximo ano, sem que tenham sido explicadas a razões da não conclusão do processo.
De acordo com a proposta de OGE 2026, com a reestruturação da Gesterra “espera-se fortalecer a mecanização agrícola em Angola, promovendo maior produtividade, eficiência, e o aumento da produção nacional, por meio do fortalecimento de tecnologia e equipamentos modernos para a produção agrícola, manutenção e suporte técnico dos mesmos, bem como a capacitação e treinamento, fundamentalmente, sobre a produção agrícola familiar”.
A reestruturação da Gesterra tem como foco o prestação de serviços de mecanização, suporte técnico aos produtores e actuação directa na cadeia de valor dos cereais e grãos, lê-se da proposta do Orçamento Geral do Estado para o próximo ano, que não explica se a esta empresa vai acumular a gestão de terras aráveis, que faz actualmente, com a mecanização agricola.
A Gesterra tem sob sua gestão vários projectos agricolas, como as fazendas do Longa (Cunene), Cuimba (Zaire), Camaiangaga (Moxico) e Sanza Pombo (Uige), e unidades de negócios como o Pólo Industrial de Capanda(Malange), Pólo Industrial da Quiminha( Icolo e Bengo) e Perimetro Irrigado do Sumbe (Cuanza Sul).
Especialistas defendem apoios directos
A transformação da Gesterra em empresa de mecanização agricola está a ser vista por profissionais do ramo como uma medida administrativa que terá poucos efeitos na produção agricola.
“O que os agricultores precisam não é de uma empresa de mecanização. Isso já tivemos no passado e os resultados todos conhecem. Precisamos de apoios directos, como por exemplo financiamentos. A falta de dinheiro é a nossa principal dificuldade”, disse um agricultor.
Para o nosso interlocutor, a mecanização agrícola de certa maneira tem sido conseguida, apesar de ainda não ser a ideal. “Com ajuda de alguns grandes produtores ou até mesmo com tractores que algumas cooperativas receberam, a mecanização primária tem sido, de certa forma, conseguida na agricultura familiar. A mecanização mais moderna é outra questão. E para que os agricultores utilizem a tecnologia é preciso que sejam capacitados antes”, defendeu.
Posição também defendida por outro agricultor da província do Cuanza Sul, que se socorre de situações já vividas para justificar a sua posição.
“A capacitação é fundamental. Andaram a distribuir tractores, onde andam estes tractores? Muitos deles estão transformados em verdadeiros ferro- -velho. E até por coisas simples. Há casos que um simples furo no pneu encostou o tractor, porque o agricultor não estava capacitado, nem tinha condições para mandar reparar o pneu. Há vários casos desses e se calhar esta empresa que se vai dedicar à mecanização agricola deveria começar por olhar para estes casos, para não deitar outros milhares de kwanzas fora”, defendeu.
Expansão
