Após anos de declínio técnico, financeiro e comercial, a operadora de telecomunicações Movicel dá os primeiros passos concretos de uma ambiciosa tentativa de recuperação, com a entrada formal da empresa egípcia Elsewedy Electric como novo accionista maioritário. O processo, impulsionado por uma decisão de alto nível no Executivo angolano, marca o início de um novo capítulo para uma das marcas mais antigas do sector das telecomunicações no país.
A transição, iniciada em 2024 sob orientação directa do Presidente da República, João Lourenço, ganhou corpo em Agosto do ano passado, durante uma Assembleia Geral que aprovou a diluição das acções detidas pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) e pela Angola Telecom, abrindo caminho para a entrada da Elsewedy com mais de 60% do capital.
O acordo prevê um investimento total de 400 milhões de dólares, a ser aplicado em fases, com foco prioritário na recuperação da rede de infraestruturas, no pagamento de dívidas trabalhistas e na reestruturação operacional da empresa. A primeira fase já está em curso em Luanda, onde técnicos relatam “melhorias pontuais” na qualidade da cobertura de voz e dados.
Infraestrutura em recuperação, mas desafios persistem
Segundo fontes técnicas ligadas à operação, os esforços iniciais concentram-se nos sites compartilhados com a Africell, operadora norte-americana que entrou no mercado angolano em 2022 e rapidamente conquistou quota de mercado. A partilha de infraestrutura permitiu uma intervenção mais rápida e eficaz, especialmente em zonas críticas da capital.
No entanto, as antenas e torres localizadas fora de Luanda, particularmente em províncias do interior, continuam em estado crítico — muitas foram vandalizadas ou abandonadas devido à falta de manutenção e segurança. A recuperação dessas áreas exigirá investimentos avultados e um plano logístico robusto.
“Há uma ligeira melhoria em alguns bairros de Luanda, especialmente no que toca à internet móvel. Mas ainda estamos longe do que era a Movicel há cinco anos”, confidenciou, sob condição de anonimato, um técnico da empresa.
Clientes fugiram, mercado mudou
Nos últimos quatro anos, a Movicel perdeu mais de 1,4 milhões de clientes, caindo de 1,933 milhões (em 2020) para apenas 526.951 no final de 2024. A sua quota de mercado desabou de 15,17% para 1,99%, a mais baixa desde a sua fundação, em 2002.
Com esse desempenho, a operadora perdeu não só a posição de segunda maior operadora do país, mas também o espaço conquistado ao longo de duas décadas. Hoje, a Africell surge como a segunda força do mercado, com 6,578 milhões de clientes (24,91%), enquanto a Unitel mantém a liderança absoluta, com 19,302 milhões de assinantes (73,09%).
Funcionários ainda aguardam salários em atraso
Apesar dos esforços de recuperação, muitos funcionários continuam a sentir o peso da crise. Ainda não foi pago o valor correspondente a 10 meses de salários em atraso, um dos maiores entraves à retomada da moral interna.
“Os salários correntes estão a ser pagos com alguma regularidade, o que é um avanço. Mas os atrasados ainda estão por resolver. Muitos colegas saíram por isso”, contou um colaborador que prefere não se identificar.
A empresa tem ainda centenas de agências fechadas e uma estrutura comercial praticamente paralisada. A nova direcção, apoiada pela Elsewedy, promete relançar um plano de marketing agressivo para atrair novos usuários, com foco em pacotes de dados acessíveis e promoções temporárias.
Aposta estratégica com selo presidencial
A entrada da Elsewedy Electric não foi fortuita. Segundo fontes próximas ao processo, foi impulsionada por uma directiva presidencial, após reunião entre o CEO da empresa egípcia, Ahmed Elsewey, e o Presidente João Lourenço, durante o Fórum Internacional de Tecnologias de Informação e Comunicação (Angotic 2024).
A Elsewedy, fundada em 1997 e com forte presença em África, é especializada na produção de cabos eléctricos, torres metálicas, transformadores e infraestruturas energéticas. Já opera em Angola há cerca de 16 anos, com projectos em energia e redes de distribuição, o que lhe confere conhecimento do mercado local.
Agora, expande-se para as telecomunicações, numa aposta arriscada, mas estratégica: recuperar uma operadora com base instalada, licenças activas e presença histórica, mesmo que debilitada.
Valor Económico