Comandante neozelandês exige a Tchizé dos Santos 70 mil euros em salários por despedimento ilicito

A notícia do despedimento – que considera ilícito e que está a impugnar no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – chegou a 8 de outubro, cerca de oito meses depois de começar a trabalhar para a empresária angolana, filha de José Eduardo dos Santos. No dia 22 do mesmo mês, o despedimento foi comunicado por email, confirma o próprio Richard, por telefone, à SÁBADO.

“Depois do despedimento fomos abandonados durante 37 dias em Savona, Itália”, acusa o comandante, que garante ter passado esse tempo no barco, com outro tripulante, engenheiro. “Como comandante, não posso abandonar o navio”, explica, “mas foi muito complicado, porque não tínhamos comida nem equipamentos adequados. Só tínhamos polos de manga curta e calções. E durante quatro semanas choveu muito e as temperaturas desceram para 13 graus.”

O iate ANJE tinha chegado no dia 17 de setembro a Savona, onde previsivelmente ficaria por duas semanas (e onde permaneceu mais de um mês). O comandante diz ter passado “nove dias a pedir equipamento para a chuva e para o frio” aos seus empregadores.

Até que “Hylton [Abrantes, primo de Tchizé dos Santos] me disse que devia enviar preços do que precisava. Fui ao site da Decathlon e escolhi coisas baratas para mim e para Caleb [o engenheiro]. Seriam 120 euros em calças,400 euros em casacos, e botas de 99 euros Porque não comprou o próprio Richard o equipamento?

“Estava desde julho a usar o meu dinheiro para materiais, peças e alimentação. E ninguém respondia aos meus emails com pedidos de reembolso”, lê-se num dos documentos que enviou à SÁBADO. Tchizé acusou-o de não ter planeado atempadamente a necessidade de uniformes; Richard respondeu que não era suposto ficarem tanto tempo naquele porto. “Normalmente os navios têm um cartão de crédito ou um fundo de maneio de 10 mil euros, porque nunca se sabe o que vai acontecer, mas nós não tínhamos.”

Nunca chegaria a ter o equipamento a 8 de outubro recebeu a mensagem a dizer que estava despedido e no dia 24 desse mês foi “finalmente repatriado” para Málaga, diz, sobre as longas semanas de espera no ANJE. Já não voltou aos navios da Nastroblue, mas decidiu avançar para tribunal e entregar uma queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “Nunca tive uma experiência profissional assim. Alguém tem de parar Tchizé dos Santos. Sabe como lhe chamávamos? The Queen of Chaos [Rainha do Caos].” Ou Boss, o nome que gravou no telemóvel.

Quando a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento foi interposta, ainda em 2024, Richard Sterling pedia que lhe fossem pagos, no total, mais de 70 mil euros: 33.234,24 referentes a trabalho em horas extraordinárias, domingos e feriados; 12 mil euros em subsídios de Natal e de férias (que garante nunca ter recebido); 9.105,41 euros em despesas que adiantou; e um valor nunca inferior a 18 mil euros por danos morais. Contactada pela SÁBADO, “a gerência [da Nastroblue] informa que tudo foi respondido em sede própria, não reconhecendo as acusações feitas”.

Na primeira audiência em tribunal, que decorreu a 15 de janeiro, bastaram nove minutos para se perceber que não haveria acordo. “Foi tentada a conciliação das partes, a qual não se mostrou possível por a ilustre mandatária da ré/entidade empregadora ter informado o tribunal que a sua constituinte recebeu apenas ontem a citação, pelo que não está totalmente inteirada do que aqui está em causa.” A audiência final, inicialmente marcada para 27 de março, foi adiada. “Ainda estamos à espera que o tribunal marque nova data”, diz Richard.

Contrato assinado num hotel

Quando começou a trabalhar com Tchizé dos Santos, Richard Sterling não conhecia a empresária – nem sabia que era filha do antigo Presidente de Angola e irmã de Isabel dos Santos. “Fui recomendado por um amigo que tem uma empresa em Marbelha [Espanha]. A Sra. dos Santos marcou uma entrevista no bar de um hotel de cinco estrelas.”

O contrato que assinou a 12 de fevereiro estipulava que trabalharia 48 horas por semana, oito horas por cada um dos seis dias (domingo seria para descansar). Em troca, receberia um salário de 6 mil euros brutos por mês num total de 84 mil euros/ano (com subsídio de férias e de Natal). O contrato foi assinado com a Nastroblue, sediada na Zona Franca da Madeira. A representá-la estava, além de Welwitschea José dos Santos (Tchizé), o também gerente Bruno Sá Figueira.

Tratava-se de um contrato sem termo, com um período experimental de 180 dias como “capitão” de três iates: ANJE, SOL e DREAM. “Só soube do terceiro iate quando assinei o contrato. Durante 30 anos de trabalho como comandante nunca vi barcos tão negligenciados. O Dream foi o pior que vi na vida. Na minha primeira pesquisa anotei 172 falhas, 34 das quais violavam a nossa apólice de seguro, 67 eram críticas e 119 urgentes”, escreveu no relatório. “Se [o Dream] tivesse ficado sem vigilância mais oito a 10 horas teria afundado”, defende.

Os problemas com Tchizé dos Santos e Bruno Sá Figueira começaram logo no primeiro mês, alega, quando o salário foi pago com 13 dias de atraso. A 8 de outubro enviou uma mensagem no grupo de WhatsApp que tinha com os gerentes: “Estamos no fim do dia 8 e ainda não recebemos. Combinámos que pagariam até dia 1 de cada mês. Quando vamos ser pagos?”

As despesas eram outra dificuldade constante, descreve: a 22 de julho, por exemplo, enviou uma lista de ferramentas e materiais que precisaria de comprar nos dias seguintes. “O mais barato é comprar na Amazon. Podem transferir o dinheiro para a minha conta para que eu possa comprar?”, escreveu sobre uma lista cujos itens somavam 550 euros. Mais tarde, a 6 de setembro, teve que adiantar ele próprio o dinheiro necessário para abastecer o iate com combustível. Dois dias depois, foram-lhe transferidos 5 mil euros para uma conta Revolut.

Desde maio que o comandante enviava relatórios de despesas, garante. Logo no primeiro email, que escreveu no dia 5, perguntou se o formato escolhido (uma tabela) estava bem ou se preferiam outro. A partir de julho, os emails e mensagens aumentaram – porque além de combustível, marinas, refeições e ubers, garante ter chegado a pagar, ele próprio, parte do salário de funcionários externos, que trabalharam na reparação dos iates.

O Mercedes de Tchizé

Durante os trabalhos de reparação dos iates, o comandante deslocou-se algumas vezes num Mercedes de Tchizé dos Santos. A empresária defende que o fez de forma ilícita, o que constitui uma “grave quebra de confiança”.

“Usou um carro pessoal que me pertencia a mim, e não à empresa, sem o meu conhecimento ou autorização de ninguém, e desapareceu com ele durante mais de uma semana. O carro só foi devolvido a meu pedido e com o sistema de transmissão avariado. Trata-se de um roubo criminoso e não conseguimos restabelecer a confiança em si desde este incidente”, continuava, dizendo que tinha comunicado à empresa a decisão de rescindir o contrato.

A versão de Richard é muito diferente: “No início de agosto a Sra. dos Santos enviou um carro de 2016 para o iate, para ser usado para transportar a tripulação e os convidados”, adianta. “Usei o carro para levar peças [dos iates] para pintar e reparar em mecânicos. As peças não cabiam no meu carro e também não vejo porque razão deveria usar o meu carro para trabalhar quando tínhamos um carro para isso. Deixei o meu carro à tripulação enquanto eu usava o Mercedes. Durante esses dias o carro desenvolveu um problema na transmissão e precisou de ser reparado. Não são incomuns avarias dessas num carro com mais de 100 mil quilómetros”, defende.

Tchizé dos Santos não concordou e, a 3 de agosto, Richard foi informado de que o custo da reparação ia ser deduzido do seu salário – que nessa altura ainda não tinha recebido. Seria aliás esse o motivo invocado no email para formalizar o seu despedimento. Antes disso, a 8 de outubro, houve outro motivo: 10 minutos depois de acusar Hylton Abrantes de, por vezes, dizer “coisas ridículas”, Tchizé comunicou-lhe que estava despedido, alegando que tinha “desrespeitado” o primo. Já o comandante considera que Hylton não estava a trabalhar legalmente no iate. “É primo da Tchizé, não é funcionário da Nastroblue.”

As ameaças de rescisão contratual eram, segundo o comandante, constantes: “Fui ameaçado de despedimento nove meses, cinco delas no mesmo dia, porque não tinha feito o inventário dos lençóis. Nessa altura não tínhamos equipa interna, o barco não estava pronto para isso, havia problemas urgentes de manutenção e eu tinha de me concentrar no essencial”, defende.

A empresária também lhe terá chamado desonesto várias vezes, garante. Quando lhe disse que era a quinta vez que o dizia, retorquiu: “Pode continuar a contar.” E enviou um screenshot com o significado da palavra desonesto.

“Quando saí do iate estava tudo a funcionar, quando voltei não estava. Não é uma questão de honestidade, é uma questão de manutenção. E num iate em muito más condições, devido à falta de manutenção, não posso fazer milagres”, respondeu Richard, que considera estarmos perante um caso de assédio laboral e de abuso de poder. “Fui despedido sem aviso prévio, sem procedimento disciplinar e sem oportunidade de me defender.”

Revista Sábado

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