CENTRO DE CONVENÇÕES NA CHICALA ENTENDA-SE A DIFERENÇA ENTRE PRIORIDADE, NECESSIDADE E VAIDADE

A construção do Centro de Convenções de Luanda, na praia da Chicala, constitui a implementação de um projecto, como temos referido, aposta pessoal do Presidente da República e, segundo informações não desmentidas pelo seu Gabinete, a quem temos indagado com alguma insistência sem ser atendidos, já consumiu 480 milhões de USD.

Só a ponte que o ligará a parte frontal ao Memorial Agostinho Neto, na estrada nacional n.º 100, consome 80 milhões de USD. E o Presidente, sempre a levar calotes do empresário Sílvio Madaleno, que recebeu a empreitada num ajuste directo fruto da sua influência junto da Presidência da República (noutra abordagem contamos apresentar mais pormenores), relativamente aos prazos de conclusão da obra e inauguração para albergar dois eventos internacionais, um dos quais já realizado em tendas.

É o mesmo Governo que gasta 480 milhões de USD numa obra não orçamentada para impressionar o mundo — como se lá fora não soubessem que em Angola há cidadãos que comem do lixo — que não tem 1 milhão de USD para financiar um projecto sério de investigação gizado há 5 anos, com a participação de mais de 70 investigadores de várias universidades nacionais, de que resultariam ainda, a produção de 11 livros com informação científica. Mas disse, no Estado da Nação, que financia 71 projectos por via da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNDECIT).

Por essas e outras se pode entender a razão do fraco desempenho da Universidade que leva o nome do tal pai da nação angolana, apesar dos seus 63 anos de existência (porque herdou toda a estrutura colonial) mas também o nível de elevação do próprio país. Quem constrói mais um Centro de Convenções em que queima 480 milhões de USD, hospitais e outras infra-estruturas do primeiro-mundo, não deveria mobilizar só 500 milhões de USD para o programa especial de educação com incidência municipal, para os próximos dois anos (contemplando a formação de professores, reabilitação de infra-estruturas e fornecimento de materiais pedagógicos às escolas). Quem anunciou essa dádiva, no Estado da Nação, esqueceu-se, provavelmente, que foi quem mais insistiu numa nova divisão político-administrativa que descambou num novo figurino de  326 municípios (+164) e 21 províncias (+3) desde Janeiro de 2025. Dividido o bolo dos 500 milhões, a previsão, repito, a previsão, é de cerca de 1.600.000 mil USD para cada circunscrição, ou pouco mais de 300.000 USD para cada uma das rubricas (formação, reabilitações, materiais pedagógicos já que se esqueceram dos meios técnicos e dos consumíveis). Se houver cabimentação e se para uns municípios esse montado satisfaz necessidades, para outros nem pensar…

De acordo ainda com o “Estado da Nação” que nos foi passado pelo Presidente da República, referindo-se às projecções do Instituto Nacional de Estatística, Angola “tem cerca de 35 milhões de habitantes, esperando-se que, por volta de 2050, tenhamos perto de 68 milhões”. Gostaríamos de saber, por outro lado, como serão formados cerca de 38.000 profissionais de saúde, até 2027, quando grande parte dos institutos encerraram os cursos no ano lectivo passado, por determinação do Ministério da Educação que constatou irregularidades e falta de qualidade ainda não superada, e as instituições públicas não têm sequer recursos para consumíveis, nem laboratórios adequados quando o mundo já não dispensa a Inteligência Artificial?

Mas essa é mesmo a marca habitual de quem nos governa, sem considerar que quando as prioridades e necessidades de uma nação são invertidas, ou preteridas pela vontade de fazer ‘show’, compromete-se o futuro da nação. E oxalá que o timoneiro se mantenha de pé, para ver o desempenho de quem fará “igual, ou melhor” e como fará, até porque não tem ciência. Bastará não copiar erros, nem ser tão teimoso e considerar que o país a todos nos pertence.

De forma geral, essa despesa na construção do Centro de Convenções na Chicala, tal como outras que estão a ser realizadas (incluindo naquela área), serve no fundo, para aferir, também, o nível de literacia de quem comanda o barco, que, ‘ironia’, é alugado ao empresário Sílvio Madaleno. Ou melhor: o dono da obra e família ‘laifam’ com o barco do empreiteiro.

Ramiro Aleixo

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