Para frustração do seu ego, ainda não será no quadro das inaugurações milio-nárias inseridas nas comemorações dos 50 anos da proclamação da Inde-pendência Nacional, que o Presidente da República, João Lourenço, cortará a fita que marcará a recepção oficial do Centro de Convenções da Chicala. Por De-creto por si exarado a 28 de Outubro, passa para a esfera de dependência da Pre-sidência da República. Novo irritante, que afunda ainda mais o empreiteiro Sílvio Madaleno, e abana a sua imagem e a protecção com que conta no próprio Gabinete Presidencial e nalguns departamentos ministeriais.
Mas, persistem inúmeras dúvidas relactivas sobretudo à transparência e responsabi-lidades, porque o envolvimento e a protecção directa do Presidente da República nesse projecto imobiliário milionário, não respeitou os procedimentos legais da adju-dicação de obras de carácter público, logo, nem da planificação orçamental. Aliás, só a Presidência da República dominava o dossié, embora, a determinada altura e até por via de vídeos feitos à pressa e disseminados pelas redes sociais, se ten-tasse fazer crer que se trata de um projecto de parceria pública e privada. Contudo, até ao momento, o Governo é a única entidade que injecta recursos financeiros, e conforme o Decreto Presidencial de 28 de Outubro que aprova o Estatuto do Centro de Convenções da Chicala, essa infraestrutura torna-se pertença do Estado e cons-titui anexo da Presidência da República.
De acordo com fontes ligadas ao processo, a construção do Centro de Convenções da Chicala já consumiu cerca de 600 milhões de USD das reservas do Estado (e ainda não está concluída). E figuras próximas ao Gabinete do Presidente e da sua família são acusadas, e não desmentem, de envolvimento na fase complementar, que prevê a construção de um hotel, residências de alto padrão, um campo de golfe e outras infraestruturas com vocação para atender delegações, eventos e o turismo de luxo. O Centro de Convenções da Chicala está assim a ser visto, como a ponta do icebergue ou a justificação de uma grande jogada financeira para realização de um negócio privado, estimulado com recursos públicos, tendo como pivô o próprio Presidente da República.
Mas, o Decreto Presidencial em referência, finalmente, destapa a manta sobre a construção do Centro de Convenções da Chicala (e não de Luanda), como sempre o denominamos. Estando a execução da obra quase no fim, o país somente agora viu oficializado o envolvimento directo do Presidente da República. Doravante, con-forme o estatuto aprovado, o Centro de Convenções da Chicala constitui apêndice da Presidência, regendo-se pela “legislação aplicável aos institutos públicos”, estando sujeito “à superintendência do Presidente da República, exercida através do Secretário Geral do Presidente da República”.
Fosse este um país com as instituições, Assembleia Nacional e o Judiciário, a funci-onar livres das amarras do poder político ou da sua influência, o Presidente da Re-pública estaria agora com mais um processo de impugnação às costas. Poderia dar lugar a outro pedido de ‘impeachment’, com provas dadas pelo próprio de que utiliza mal os escassos recursos públicos que o país arrecada. As provas são produzidas pelo próprio, demonstrando a falta de habilitação para o exercício do cargo de Pre-sidente da República, ao não observar regras e princípios básicos de gestão admi-nistrativa e financeira. Ou ainda, de utilizá-las para inverter a legalidade, para sua autopromoção e vaidade para impressionar, em detrimento dos interesses e das ne-cessidades da sua população.
Com o Decreto, o Presidente da República acabou de provar que impôs a Nação duas obras que têm quase o mesmo fim, com a inauguração, hoje (10 de Novem-bro), de um Salão Protocolar também adstrito à Presidência da República. Com qua-tro pisos, capacidade para albergar 1.200 pessoas sentadas, está dotado de siste-mas inteligentes e controlo de gestão técnica, construído em pouco menos de 18 meses pela Omatapalo cujo custo, também não foi divulgado. Recordamos que a construção do Centro de Convenções da Chicala iniciou nos 100 milhões de USD e teve derrapagens que roçam agora cerca de 600 milhões de USD. E, oficialmente, não foram divulgados documentos justificando a origem e a pertinência da injecção desses recursos, que até que nos demonstrem o contrário, foram, de forma irregu-lar, retirados de uma conta do Ministério das Finanças, cujo fim é o pagamento de salários e casos emergenciais.
Os argumentos justificativos do Decreto, ‘invocando’ “a necessidade de fortalecer a capacidade diplomática do país, criando condições para acolher e organizar eventos internacionais com elevado nível de exigência” não é aceite nos próprios círculos de decisão que têm acompanhado, por nossa via, a implementação desse projecto. E pior ainda, que foi tendo em conta “a dinâmica actual imposta pela diplomacia angolana, quer na perspectiva de atracção do turismo como da conso-lidação de Angola como potência regional e continental, assim como havendo a necessidade de se aumentar a disponibilidade de espaços capazes de albergar eventos de relevante carácter político e social”. Porque a sua presidência na União Africana está no fim e o protagonismo passará para outro estadista.
Esses argumentos, para várias entidades, confirmam que o Presidente da República tem ainda muita dificuldade em descortinar a diferença entre o que é necessário, prioritário e importante, para o país e para este povo. Ou, até mesmo, como funci-ona a máquina que promove a diplomacia, o desenvolvimento e a atracção do tu-rismo. Aliás, defendem as nossas fontes, “qualquer país para se tornar atractivo para o turismo (estrangeiro), tem de sê-lo, primeiro, para os seus próprios cida-dãos, que não são parte descartável nesse fazer turismo”. E este final de se-mana prolongado veio confirmar essa capacidade que melhor e maior seria, se o ci-dadão nacional tivesse maior poder aquisitivo.
No fundo, dizem ainda as nossas fontes, “o que o Presidente João Lourenço fez, foi, uma vez mais, colocar a carroça à frente dos bois, e convencer-nos do con-trário obriga-o a prestar-nos esclarecimentos complementares”. Isso porque, о seu envolvimento directo na execução destes projectos, contraria o exercício e as responsabilidades obrigacionistas do Presidente da República à luz da Constituição. Existem outras envolventes, não clarificadas oficialmente, como a construção de vá-rios edifícios e residências de luxo, um campo de golfe e outras áreas para prática desportiva, que, no fundo, terão como objectivo, a prestação de serviço de apoio aos utilizadores do Centro de Convenções: participantes de eventos, entidades pro-tocolares, estrangeiras sobretudo. E conforme as nossas fontes e não foi desmen-tido nos pedidos de esclarecimento que solicitamos, há indícios do envolvimento de várias entidades, incluindo do director do Gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, e da família presidencial, não existindo nenhuma referência sobre as origem dos fundos de investimento.
O Decreto Presidencial também é omisso na definição do que é privado e do que pertence ao Estado, apesar da injecção de recursos públicos por via da Presidência da República, incluindo para a infra-estruturação daquela área. Mas, por outro lado, vem desmentir a informação propagandeada pelo empresário Sílvio Madaleno, pro-prietário da Marina situada a escassos metros do Centro de Convenções, em dife-rentes círculos de amizade e em encontros com os seus colaboradores. Sempre deu conta da sua participação no investimento imobiliário como proprietário, e que até procedia à venda de activos para angariar recursos.
O Decreto Presidencial de 28 de Outubro, veio confirmar também, o envolvimento do Presidente da República numa acção indirecta de esbulho de parcelas de terreno cedidas legalmente a entes que, como referimos na nossa primeira abordagem so-bre este caso, foram lesados por Sílvio Madaleno, como Tchizé dos Santos. É que, apesar do envolvimento directo do Presidente da República e de se ter passado por cima do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda, não existe nenhum documento que precede qualquer decisão de venda, indemnização ou expropriação em favor de interesses do Estado. Nem podia, até porque, se não é justificável se-quer para a construção de um Centro de Convenções ali como anexo do Palácio Presidencial, conforme o estabelecido no Plano Director, menos ainda, no quadro de um projecto imobiliário de luxo, com suporte de fundos públicos, obrigando à ne-gociação com os titulares e/ou proprietários, pelo que, sobre este caso ainda cor-rerá muita tinta.
Como referimos nas abordagens anteriores, o Presidente da República está profun-damente agastado com o desempenho de Sílvio Madaleno, que não conseguiu responder-nos em mensagem que endereçamos nos últimos dias, quando fará a entrega da obra, após ter falhado para os objectivos inicialmente identificados (Ci-meira Estados Unidos África e mais recentemente, a Cimeira sobre Financiamento para o Desenvolvimento de Infra-estruturas em África). O seu silêncio pressu-põe que não saiba quando a obra será inaugurada ou que deixou de ter o controle sobre ela. No perímetro da obra, também já não se vê a marca da sua empresa, a Alfermetal, mas sim da DAR, Griner, Mota Engil, Sodimo e da Omatapalo, embora Sílvio Madaleno nos tenha dado conta que essas empresas executam outra obra. Mas, no último mês, observou-se a redução considerável de técnicos expatriados afectos à sua empresa, sobretudo brasileiros.
O que se seguirá, para Sílvio Madaleno, parece não ser bom. Para além da presta-ção de contas a que deverá estar obrigado no final da empreitada que ronda os 600 milhões de USD, de acordo com algumas fontes, o empresário terá visto as suas contas no exterior bloqueadas, na sequência da intervenção da Interpol junto de diferentes instituições bancárias, embora o próprio, após nosso questionamento, te-nha considerado essa informação como “falsa”.
Entretanto, as mesmas entidades que analisam as nossas abordagens relactivas a esse projecto imobiliário, manifestam-se intrigadas e indignadas com tantos “disparates, atropelos, violações a boas práticas e falta de transparência dos actos do Presidente da República, sobretudo na construção de infraestruturas de ele-vado brilho, quando a Nação tem grandes desafios em tantos sectores prioritá-rios, como a Educação, a Agricultura e a estabilidade das famílias, por exemplo. O Presidente trata o país como sua propriedade, e esse Centro de Convenções da Chicala e todo esse show em torno dos festejos dos 50 anos da Independên-cia, são reflexo disso mesmo, elevando o nível de conflitualidade, que não é bom sequer para atrair investimento ou para promoção do turismo”.
Para as nossas fontes, era expectável que tendo reunido à sua volta mais competên-cia com quadros experimentados, como José de Lima Massano, o Presidente da Re-pública adoptasse uma mudança radical no seu comportamento, “vincado, sobre-tudo, pelo radicalismo do quero, mando, cumpra-se”. Ficamos sem perceber se essa competência se deixou submeter à arrogância e ao ego de quem comanda o barco, ou se quem comanda esse barco, por ser incompetente, não aceita a contri-buição da competência que, concomitantemente, para defesa do tacho, se sente intimidada. Ou ainda, que essa tal competência, também se sente confortável para aumentar o seu pé de meia.
kesongo
