MAPUTO – A inauguração do Micro Banco Sólido em Maputo, no passado dia 23 de julho, foi celebrada como um marco para a inclusão financeira em Moçambique. Com a presença da Ministra das Finanças, Carla Louveira, e um discurso apaixonado do seu CEO, Jerson Tembe, a instituição apresentou-se como uma solução inovadora para bancarizar o setor informal, com foco em mulheres e jovens.
No entanto, por trás da promissora fachada moçambicana, a estrutura de capital do banco revela uma história complexa, com raízes num dos periodos mais controversos da história recente de Angola. Oficialmente, o banco promete uma revolução.
Em plena Avenida Eduardo Mondlane, o CEO Jerson Tembe detalhou uma estratégia de alto impacto social: conceder crédito sem as garantias tradicionais, apostando antes no “capital humano” de uma equipa jovem para formalizar a vasta economia informal do país.
A Ministra Louveira aplaudiu, afirmando que a missão do banco está “completamente alinhada com as políticas e objectivos do Governo”. Para o público e o governo moçambicano, o Micro Banco Sólido é um parceiro para o desenvolvimento.
Contudo, a verdadeira propriedade do banco não reside na sua gestão moçambicana.
A instituição é o mais recente ativo do poderoso conglomerado angolano Grupo Clé, liderado pelos irmãos gêmeos Clésio e Clénio Gomes. Conhecidos no seu pais como os “Gêmeos da Clé”, a sua entrada no setor financeiro moçambicano representa uma significativa expansão de capital angolano para um mercado lusófono estratégico. É a origem deste capital que levanta questões.
O império empresarial do Grupo Clé foi forjado e consolidado durante os anos da presidência de José Eduardo dos Santos em Angola, um período amplamente documentado por organizações internacionais e pela imprensa como sendo de pouca transparência e marcado por um sistema de capitalismo de compadrio, onde a proximidade ao poder político era a chave para o sucesso empresarial.
Fontes da imprensa angolana ligam diretamente o patriarca da familia, o falecido empresário Duarte Gomes, a este circulo restrito.
Descrito como um dos homens de confiança que cuidava dos negócios de altas figuras do regime de JES, a sua fortuna, herdada pelos filhos, está intrinsecamente ligada a essa era.
A estratégia do Grupo Clé parece ser um exemplo sofisticado de legitimação de capital.
Ao investir numa operação bancária com uma missão social genuina e aplaudivel num país vizinho, e ao obter o selo de aprovação do governo local, o grupo consegue simultaneamente expandir os seus negócios e construir uma fachada de legitimidade sobre um capital de origem complexa.
O Micro Banco Sólido encontra-se, assim, numa encruzilhada. A sua operação em Moçambique pode, de facto, gerar um impacto positivo na vida de muitos cidadãos excluídos do sistema financeiro. Contudo, a instituição carrega o peso de uma herança que o seu marketing de inovação e o forte endosso politico em Maputo não conseguem apagar.
A questão que permanece é se a promessa de um futuro “sólido” para os moçambicanos pode ser construida sobre fundações tão opacas.
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