Populações expulsam administradores do Luengue e Rivungo em protesto contra desrespeito cultural

Luanda – A recém-criada província do Cuando, localizada no sudeste de Angola, enfrenta uma onda de instabilidade política e social. Populações dos municípios do Luengue e Rivungo expulsaram os administradores locais, Miguel da Costa Tavares Pombal e Daniel Mateus, acusando-os de desrespeitar os costumes e tradições da região. O episódio, que começa a repercutir em outras localidades, revela uma crise de legitimidade que ameaça comprometer a consolidação da nova estrutura governativa.

Segundo relatos de moradores, a rejeição popular decorre da falta de identificação das comunidades com os dirigentes nomeados. Entre as principais queixas estão o distanciamento cultural, a ausência de diálogo com autoridades tradicionais e o uso de linguagem considerada ofensiva. Fontes locais afirmam que os administradores teriam chamado os habitantes de “burros” e “matumbos”, numa referência depreciativa ao nível de escolaridade da população rural.

No município do Rivungo, Daniel Mateus foi confrontado por populares que exigiram sua saída imediata. A pressão intensificou-se nos últimos dias, levando-o a abandonar as instalações da administração municipal. Situação semelhante ocorreu no Luengue, onde Miguel Pombal também foi rejeitado pela comunidade, tendo igualmente deixado o cargo — embora sem exoneração oficial anunciada até o momento.

Ambos os administradores foram nomeados em 10 de fevereiro deste ano, ao abrigo do Decreto Presidencial n.º 202/19, de 25 de junho, que regula a Lei da Administração Local do Estado. A legislação foi posteriormente ajustada pelo Decreto Presidencial n.º 277/24, de 6 de dezembro, que introduziu mudanças na estrutura dos governos provinciais. A organização do Governo da Província do Cuando foi formalizada através do Decreto Executivo n.º 229/24, de 18 de dezembro, conferindo ao governador Lúcio Gonçalves Amaral a competência para nomear os administradores municipais.

Apesar da legalidade formal das nomeações, a realidade no terreno revela um profundo sentimento de exclusão por parte das populações. Moradores afirmam que os administradores desconhecem os usos e costumes locais e não demonstram capacidade de diálogo com as lideranças comunitárias, que desempenham papel central na coesão social da região.

O mal-estar começa a espalhar-se por outros municípios da província. Líderes tradicionais alertam para o risco de novas manifestações contra administradores que não respeitam a identidade cultural das comunidades. “Não aceitamos governantes que nos tratem com desdém. Queremos pessoas que compreendam a nossa realidade e que trabalhem connosco”, declarou um soba local, citado por moradores.

Analistas políticos ouvidos em Luanda consideram que a situação expõe os desafios do Estado angolano na implementação da descentralização administrativa em territórios marcados por forte identidade cultural. A criação da província do Cuando, inicialmente celebrada como um avanço na aproximação entre o poder e as populações, enfrenta agora uma crise de confiança que exige soluções urgentes para conciliar legalidade institucional com legitimidade social.

Enquanto o governador Lúcio Gonçalves Amaral não se pronuncia oficialmente sobre o caso, cresce a pressão popular para que sejam nomeados dirigentes com raízes na região ou, pelo menos, com maior sensibilidade cultural. Para as comunidades do Luengue e Rivungo, a governação local deve ir além da burocracia: precisa ser um exercício de proximidade, respeito e valorização da identidade comunitária.

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