Luanda – A decisão do regime angolano de forçar a saída de Joel Leonardo do cargo de Presidente do Tribunal Supremo de Angola foi precipitada após a descoberta de que a sua rede de tráfico de sentenças estaria a tentar negociar um desfecho favorável no processo dos generais Manuel Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento, em troca de contrapartidas.
JOÃO LOURENÇO PÔS-LHE A OUVIR A GRAVAÇÃO DAS CONVERSAS
As autoridades, que acompanhavam os contactos filmados, apresentaram as provas ao Presidente João Lourenço. Desta vez, Lourenço ficou convencido de que Leonardo estava a comprometer a imagem da justiça com práticas de corrupção e extorsão.
A rede de Joel Leonardo foi gravada a manter contactos com elementos que se fizeram passar por emissários de “Kopelipa” e “Dino”, nos quais se negociava o processo.
Não há informação se “Kopelipa” e “Dino” tinham conhecimento do plano da rede de Leonardo ou se os seus alegados representantes agiram por conta própria para depois lhes apresentarem a solução e as exigências do presidente demissionário do Supremo. Ao tomar conhecimento da gravação, João Lourenço convocou, na manhã do dia 27, uma reunião de emergência no palácio presidencial. Chamou como testemunhas os presidentes dos outros tribunais (Constitucional e de Contas), o ministro Adão de Almeida, o diretor de gabinete Edeltrudes Costa, bem como figuras do partido como Paulo Pombolo, João “Ju” Martins, e o jurista Carlos Maria Feijó. No total, convocou 17 entidades, sendo Joel Leonardo o último a chegar.
Assim que chegou ao palácio, Joel Leonardo foi confrontado com as gravações em vídeo e todas as provas que apontavam para práticas de compra e venda de sentenças realizadas por seu grupo. Numa das gravações reproduzidas diante dos presentes, o próprio Leonardo conversava com um dos interlocutores e garantia que, assim que João Lourenço abandonasse o poder em 2027, o processo seria arquivado. Para isso, prometia retardar as sessões deliberadamente. Deu ainda garantias de que a juíza do processo, Anabela Valente, era da sua extrema confiança. O ponto mais sensível da gravação foi um trecho em que Leonardo profere um discurso desconsiderante sobre o Presidente, interpretado como “estar a falar mal”.
Diante do que ouviu, João Lourenço retorquiu que Leonardo o teria traído. Após a conclusão da reunião, visivelmente cabisbaixo e envergonhado, Leonardo retirou-se da sala. Passados cerca de 20 minutos, já distante do palácio, fez uma ligação telefónica para a esposa, advertindo que desta vez poderia perder o seu cargo, sem, no entanto, explicar o que acontecera.
No período da tarde, já no seu gabinete, isolado e sem querer falar com ninguém, levaram-lhe um documento para assinar a sua renúncia do cargo, o que aceitou sem mostrar resistência.
No dia seguinte, quarta-feira, Leonardo tentou sem sucesso mover influência junto de mediadores para que João Lourenço voltasse atrás na retirada de confiança. Embora com dimensões diferentes, esta não é a primeira vez que Joel Leonardo recorre ao Presidente para ser perdoado. Na primeira vez, caso já reportado pelo Club-K, Joel jurou lealdade a João Lourenço, e este, comovido, perdoou-o.
Desta vez, João Lourenço não tenciona perdoá-lo, sendo que a PGR foi esta semana acionada para desarquivar o processo (n.º 63/2023-DNIAP) de corrupção por descaminho de “milhões” de kwanzas que decorre contra o mesmo, de forma a ser constituído arguido.
A rede de tráfico de sentenças que operava no seu gabinete começou a chamar a atenção das autoridades angolanas em dezembro de 2022, quando a rede de Joel Leonardo tentou extorquir o ex-ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás. O principal executor da chantagem foi o Major Silvano António Manuel, sobrinho de Joel Leonardo e chefe da escolta no seu gabinete.
Após a libertação de Augusto Tomás, Silvano Manuel dirigiu-se à sua residência alegando portar uma mensagem do Presidente do Tribunal Supremo. Exigiu o pagamento de 3,5 mil milhões de kwanzas (cerca de USD 5,8 milhões) sob ameaça de que, caso não pagasse, voltaria à prisão devido a supostas falhas no mandado de soltura.
João Lourenço, após tomar conhecimento por parte de dois altos dirigentes do MPLA, Isaac dos Anjos e Norberto Kwata Kanawa, perdoou Joel Leonardo, que lhe disse que nada tinha a ver com a operação do seu sobrinho, que em sede de justiça dizia reportar-se ao tio.
Silvano Manuel foi condenado a dois anos de prisão por tentativa de extorsão, conforme o artigo 318.º do Código Penal Angolano. Aceitou a sentença e pediu perdão ao ex-ministro e à sua família.
Outros episódios vieram à tona, incluindo negociações com réus do “caso Lussaty”, em que a redução de penas era oferecida em troca de bens patrimoniais no estrangeiro. Joel Leonardo e um juiz cúmplice Daniel Modesto Geraldes teriam recebido, como parte dessas transações, imóveis em Coimbra e em Cascais, zonas de alto padrão em Portugal. Parte do património recebido por Leonardo em território português estaria em nome de uma colaboradora Juelma Baptista e de um filho que reside em Portugal.
A figura-chave da rede de sentenças de Joel Leonardo é Carlos Salombongo, um advogado que também opera no seu gabinete e é citado como parente de Juelma Baptista. Salombongo está neste momento em Portugal, com previsão de regressar nos próximos dias. Há poucas semanas, Joel Leonardo também esteve em Portugal.
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