Agentes que assassinaram cidadãos na paralisação de taxistas continuam impunes – relatos denunciam perseguições contra indefessos

Um agente do SIC, que responde pelo nome de Alfredo Manaça, na província de Malange, perdeu o seu filho durante os confrontos ocorridos no dia 29 de Julho de 2025, na sequência da paralisação dos taxistas.

O jovem de 20 anos, foi atingido mortalmente por disparos de um suposto agente da Polícia Nacional, no momento em que populares contestavam a paralisação dos transportes públicos nas províncias de Luanda, Bengo, Icolo e Bengo, Malanje, Huambo e Benguela.

Nesta província (Malanje), foram mortos na data dos factos nove cidadãos indefesos, mas as autoridades anunciaram apenas sete vítimas.

Em todo país, as autoridades anunciaram um total de 32 assassinatos. Um dado questionado pela sociedade civil angolana e as autoridades até ao momento não anunciaram medidas contra os supostos assassinos.

Numa inteira violação aos tratados internacionais assinados por Angola, tal como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, o país ainda regista inúmeros casos de execuções sumárias.

Mesmo estando na Constituição da República de Angola (CRA), no seu artigo 30.º a recomendação de que “o Estado respeita e protege a vida da pessoa humana, que é inviolável”, uma decisão reforçada no artigo 59.º em que descreve que em Angola: “é proibida a pena de morte”.

Entretanto, as autoridades angolanas continuaram a criar dor até aos vivos, utilizando a perseguição contra centenas de activistas e não só.

Figueiredo Lourenço, por exemplo, pai do activista cívico Jessé Figueiredo Tuta Lourenço, denuncia agressão física contra o seu filho na esquadra municipal de Malanje por efectivos da Polícia Nacional: “os procuradores têm conhecimento e mesmo assim não fazem nada”.

Preso e condenado por associação criminosa, Jessé encontra-se agora na Comarca de Malange a cumprir uma pena de 4 meses por supostamente ter participado na divulgação das informações sobre a paralisação dos taxistas, que as autoridades atribuem a qualidade de cometimento de crime de associação criminosa: “fruto dos actos do dia 28, 29 e 30, o meu filho foi detido em casa, levado para esquadra onde foi espancado e foi encaminhado para a Comarca de Malange, onde foi julgado às zero horas.

O progenitor disse ainda que se tratou de “um julgamento todo precipitado, sem provas nenhuma, porque ele foi detido na altura… Na sua própria casa, em frente ao portão. Então, acho que é uma prisão muito injusta, já falei várias vezes…”, afirmou.

Irmão de Emiliano Carlos Tomé, jornalista detido e acusado igualmente por crime de associação criminosa, diz que, apesar do seu irmão não sofrer agressão física no momento da detenção, Carlos Tomé tem sido duramente castigado  com o impedimento de receber comida: “ficamos 24hs sem saber do seu paradeiro depois da detenção, estamos acompanhar o caso, mas desde que foi levado ao Calomboloca, quase que não deixam lhe ver e nem recebem a comida que a família leva”, descreve irmão mais novo de Tomé, que negou se identificar por temer represálias.

Osvaldo Caholo – Activista

Quem também está na cadeia de Calomboloca, situada na província do Icolo e Bengo é o activista e antigo efectivo das Forças Armadas Angolanas (FAA), Osvaldo Caholo. Foi colocado numa prisão que dista 79 quilômetros do centro da cidade de Luanda.

Segundo a mãe de Osvaldo Caholo, Isabel Correia, mesmo percorrendo essa distância a família não tem acesso ao Caholo e que “ele não tem direito a banho de sol e entra apenas um bidão de cinco litros de água para um banho semanal”, disse.

São vários os activistas que tem sido maltratados todos os dias inclusive sem direito a defesa

Ordem dos Advogados de Angola (OAA), que mobilizou mais de 600 advogados para tentar a defesa dos cidadãos detidos e acusados de vandalismo, arruaças, pilhagens, sabotagens, resistência contra as autoridades nos os tumultos de Julho, afirma que muitos arguidos estão a ser condenados sem provas, “apenas para mostrar autoridade”, e denuncia violações dos direitos humanos nas esquadras de polícia.

A OAA afirmou que muitos juízes “não estão a fazer justiça em nome do povo, mas sim em nome do Governo”, realçando que a Lei “está a ser atropelada” em tribunal.

Conforme a Ordem dos Advogados de Angola, nos tribunais, os juízes estão a mostrar que a justiça está sob o “cafrique” do sistema, “daí muitos não querem desempenhar o seu papel”.

A OAA, diz que a Polícia Nacional, em muitos casos, não tem mostrado provas da acusação e dos motivos das detenções.

A organização explica que há processos em que há mais de 50 pessoas constituídas arguidas, acusadas dos mesmos crimes, sem provas no processo: “Infelizmente, nas audiências de julgamento não se tem verificado a presença dos atuantes (o polícia que fez a detenção). Estes nunca aparecem”, disse.

O advogado dos líderes dos taxistas detidos igualmente pelos mesmos crimes, Laurindo Fonseca Sahana, denuncia violação graves do fórum processual destes processos: “existem detidos que foram detidos sem mandado de detenção” disse.

“O vice-presidente foi pego em Benguela em sua casa”, quando não havia nenhum mandado de detenção.

Para o causídico, existem várias violações dos direitos humanos “os documentos internacionais sobre direitos humanos são claros, ninguém pode ser detido sem um processo justo” disse, “como não se observou em muitos casos – detidos sem mandados de detenção obviamente que existem várias violações dos direitos humanos” acrescentou.

Para o jurista e defensor dos direitos humanos Salvador Freire, a forma como continuam a ser recolhidos cidadãos “há uma grave violação dos direitos humanos nestes processos”.

Freire diz que as autoridades angolanas: “detém para investigar e não investigam para deter” disse, acrescentando que “o cidadão fica privado de liberdade… e violam os direitos fundamentais destes cidadãos”.

Para o causídico é importante a responsabilização criminal dos mandantes destas detenções arbitrárias: “o estado tem capacidade para que se realize o seu trabalho de acordo com a lei” disse.

Salvador afirmou que os presos impedidos de gozar dos seus direitos nas prisões são igualmente outra violação dos direitos humanos: “isso constitui uma violação gravíssima contra os princípios fundamentais da integridade humana” disse.

A lista dos activistas ainda detidos é vasta, citamos alguns nomes mais sonantes: Gonçalves António Frederico e Osvaldo Sérgio Correia Caholo detidos antes dos protestos.

Serrote José de Oliveira (“General Nila”), Jesse Figueiredo Tuta Lourenço, Oliveira Francisco “Buka Tanda”, Emiliano Carlos Tomé – jornalista da TPA e Alfredo Bumba esse último também jornalista e já em liberdade sem culpa formada.

As autoridades detiveram também vários líderes associativos que ainda se encontram em diversas comarcas do país: Francisco Paciente presidente da Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA), Rodrigo Luciano Catimba, vice-presidente da mesma agremiação associativa.

Rodrigo Luciano Catimba, vice-presidente da ANATA

Francisco Eduardo, Rafael Ginga Inácio, António Alexandre Freitas, Leonardo Lopes (Ti-Leo), Melo Celestino Raimundo “Lebeija”, Pedro Fernandes “Mavinga”, também encontram-se detidos por dirigirem as associações ligadas aos taxistas.

As organizações da sociedade civil angolanas, tal como a Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação (CEJPIC), Pro Bono Angola, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e Friends of Angola (FoA), condenaram a violência exercida pelas autoridades  durante a paralisação dos taxistas e consideraram que o Presidente da República e o Comandante-Geral da Polícia devem ser responsabilizados como autores morais da repressão que resultou em dezenas de mortes, centenas de feridos e milhares de detenções. Também apelaram a uma reparação às vítimas, bem como à criação de um ambiente de diálogo e respeito pelos direitos humanos.

Na sua comunicação, João Lourenço, presidente de Angola não condenou o excesso policial nem as mortes registadas neste período.

Coque Mukuta

O Decreto

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