Os trabalhadores angolanos receberam apenas 19,46% da riqueza criada no país durante 2024, revelam os dados mais recentes das Contas Nacionais Anuais publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Este valor representa o segundo pior registo desde 2002, evidenciando o agravamento da desigualdade económica numa nação que enfrenta simultaneamente alta inflação, desemprego e informalidade laboral.Cenário económico preocupante
A redução do poder salarial dos trabalhadores representa um factor negativo para o desenvolvimento económico nacional, limitando o dinheiro disponível para consumo no mercado interno. Esta situação cria um ciclo vicioso: com menor consumo interno, as empresas têm menos incentivos para investir no crescimento da produção, dificultando o surgimento de novos negócios e a criação de postos de trabalho.
Actualmente, as empresas preferem canalizar os lucros para os accionistas ou investimentos em dívida pública, em vez de reinvestir na economia produtiva nacional.Análise do PIB sob três perspectivas
O Produto Interno Bruto pode ser analisado através de três ópticas distintas: a da produção (somatório dos valores acrescentados de todos os sectores económicos), a do rendimento (incluindo salários, lucros e juros) e a das despesas (consumo familiar, gastos públicos, investimentos e exportações, deduzindo importações).
Nos últimos dez anos, o PIB nacional registou um crescimento médio de apenas 0,6%, valor significativamente inferior ao crescimento populacional anual de 3,1%. Esta disparidade explica a incapacidade da economia formal em criar postos de trabalho suficientes, empurrando 80% dos trabalhadores para o sector informal.Concentração de riqueza no capital
Enquanto a remuneração dos trabalhadores diminui, o Excedente Operacional Bruto em relação ao PIB (que inclui lucros, rendas e juros) aumentou de 71,30% em 2015 para 77,82% em 2024. Segundo análise do ex-vice-governador do Banco Nacional de Angola, Pedro Castro e Silva, estes números indicam “maior apropriação do valor acrescentado pelo capital, sugerindo concentração de renda e lucros, especialmente em períodos de baixo crescimento do emprego e dos salários”.Comparação internacional
Para contextualizar a situação angolana, em Portugal o peso da remuneração dos trabalhadores no PIB atinge 47,2%, no Brasil ronda os 30% e na África do Sul alcança 50%. É importante considerar que cerca de um terço do PIB angolano provém da indústria petrolífera, sector de capital intensivo que naturalmente retém mais valor.
Esta tendência reflecte-se noutros países produtores de petróleo. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que a média dos países árabes, apesar de superior à angolana, permanece muito inferior às restantes regiões globais, especialmente em economias mais desenvolvidas e diversificadas.Impacto na economia nacional
A alta inflação e o ambiente de negócios desfavorável inibem o investimento, mantendo elevados níveis de desemprego. Seguindo a lógica de mercado, onde existe maior procura que oferta de empregos, estabelece-se uma política de baixos salários que impede tanto a saída da pobreza para a maioria da população quanto a formação de poupanças significativas.
Esta realidade económica reflecte um dos maiores desafios contemporâneos de Angola: equilibrar a distribuição da riqueza nacional entre capital e trabalho, garantindo que o crescimento económico beneficie de forma mais equitativa todos os segmentos da sociedade.
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